RESSURREIÇÃO
(PPSP, 1976) Você veio, deitou raízes, fugiu.
Raízes fundas num peito votado
ao silêncio ressentido das pedras.
Redescobri em teu corpo minhas mãos
que nestes anos só souberam de algemas.
Há quanto tempo estas mãos perderam
o gesto de carinho,
o jeito de tomar teu rosto,
mergulhar os dedos nos teus cabelos...
Há quanto tempo o gosto de sal,
o grito atravessado na garganta,
a palavra seca feito punhal
ferindo o lábio...
Você veio como quem chega
da última invenção do mar.
Lavrou meu peito
com o sangue dos vulcões,
tocou-me o rosto
como os dedos do orvalho
banham o penhasco dos caminhos.
Você veio da pátria do silêncio
como o último pássaro
emudecido pelo espanto.
Você me olhou, mulher...
como se morasse dentro de mim
e soubesse todas as respostas.
(E foi como se um vento torturado
Até a solidão ou a loucura
me devolvesse a alma da tempestade!)
Você sabia de mim mil anos antes
e trazia no corpo a semente
de novas bandeiras.
Comentário do pesquisador
Pedro Tierra é pseudônimo de Hamilton Pereira da Silva. A segunda edição de “Poemas do povo da noite” (São Paulo, Fundação Perseu Abramo e Publisher Brasil, 2009) inclui o livro “Água de rebelião”, publicado originalmente em 1983. No texto introdutório da edição de 2009, intitulado “Explicação necessária”, Pedro Tierra (Hamilton Pereira da Silva) informa: “Os poemas aqui reunidos foram escritos durante os cinco anos de prisão – de 1972 a 1977 – e publicados em volumes separados: Poemas do povo da noite (Ed. Livramento, S. Paulo, 1979), Água de Rebelião (Ed. Vozes, Petrópolis, 1983)” (2009, p. 19). Após a reprodução de ilustrações de Cerezo Barredo Dial, que constam na primeira edição do livro, a segunda edição apresenta uma dedicatória: “Estes poemas permanecerão ardendo para guardar a memória de Maria Augusta Thomaz e Márcio Beck Machado, assassinados pelos carrascos da ditadura enquanto dormiam”. Logo a seguir, há uma explicação: “Estes poemas tratam de homens reais, de torturas reais, de assassinatos reais ainda impunes” (TIERRA, 2009, p. 169).