Ressonar
para Cassiano Ricardo
A noite arquiteta
um teto, uma casa
pensa uma porta
repensa um portão
e planta parede
e tranca o jardim
seu sonho de nervos
entranhado no muro.
Verde sono: calado
coagulado sangue
cerâmica —— absorto
vaso sem veia
sem pulso, esbatido
absorvido arbusto
embuçado esboço
embaçado, embutido
estojo, lavrado
lacrado no escuro.
Comentário do pesquisador
O poema "Ressonar", publicado em "Dual" (1966), talvez seja o primeiro em que se vê, de modo mais explícito, um posicionamento de Armando Freitas Filho no que diz respeito aos Anos de Chumbo. Vale notar a quinta estrofe, um dístico em que é dito "Verde sono: calado / coagulado sangue". Aqui, o vocabulário lembra questões atinentes à Ditadura Militar, como o "Verde", normalmente associado ao nacionalismo brasileiro e ao militarismo; "calado", que lembra a dificuldade de dizer algo contra as atrocidades da época; "coagulado sangue", capaz de ressonar muito da violência praticada no período.