REGRESSO À TERRA
Entro em meu poema (PPSP, maio de 1975)
com as mãos atadas.
Luas acorrentadas
ferem-me o pulso
num riso de ferros
comprometidos.
Não espere um gesto de Liberdade.
Este poema nasceu escravo.
Eu próprio nasci escravo.
Entro em meu poema,
amordaçado.
Em minha boca
palavras cegas
buscam o som de cinzas,
adormecidas.
As palavras,
a pedra,
a treva
formam um corpo
impossível de proferir.
Este poema não é murmúrio,
é vidro quebrado na garganta,
grito mastigado
na hora do suplício.
Entro em meu poema
pássaro convocado
pelo sol.
Junto a palavra à pedra
e com elas levanto barricadas.
Liberto a palavra da sombra
e escrevo na pedra
o contorno provisório dos meus sonhos.
A palavra nua faz-se poesia
e me torna mais claro
ao fim do verso.
Do escravo faz-se o resistente.
Aqui entrego minha bandeira.
Regresso à terra.
Serei o barro de um país em luta.
Raiz de troncos calcinados,
alimentarei a hora dos incêndios.
Comentário do pesquisador
Pedro Tierra é pseudônimo de Hamilton Pereira da Silva. A segunda edição de “Poemas do povo da noite” (São Paulo, Fundação Perseu Abramo e Publisher Brasil, 2009) inclui o livro “Água de rebelião”, publicado originalmente em 1983. No texto introdutório da edição de 2009, intitulado “Explicação necessária”, Pedro Tierra (Hamilton Pereira da Silva) informa: “Os poemas aqui reunidos foram escritos durante os cinco anos de prisão – de 1972 a 1977 – e publicados em volumes separados: Poemas do povo da noite (Ed. Livramento, S. Paulo, 1979), Água de Rebelião (Ed. Vozes, Petrópolis, 1983)” (2009, p. 19). Após a reprodução de ilustrações de Cerezo Barredo Dial, que constam na primeira edição do livro, a segunda edição apresenta uma dedicatória: “Estes poemas permanecerão ardendo para guardar a memória de Maria Augusta Thomaz e Márcio Beck Machado, assassinados pelos carrascos da ditadura enquanto dormiam”. Logo a seguir, há uma explicação: “Estes poemas tratam de homens reais, de torturas reais, de assassinatos reais ainda impunes” (TIERRA, 2009, p. 169).