RECOMEÇO
Este poema é para Alexandre,
meu irmão assassinado,
e meu filho Alexandre, que acaba de nascer.
Você se libertou
do ventre das angústias.
Nasceu da vigília,
antes que despontasse
o sol.
Emudeço.
Contido a meio caminho
entre soluço
e grito.
Assim tão frágil,
não sei se te chamo
meu irmão
ou filho.
Nesta madrugada
do recomeço,
você é
— eu o sinto
como a ponta de uma estrela
a riscar o céu vazio
do peito —,
você é, eu dizia,
o irmão tragado pela noite,
que retorna
com gesto de luz acesa.
E mais que irmão,
esse (es)colhido
entre tantos rostos
na batalha,
você retorna
de dentro de minhas veias
onde te guardei,
ardendo como um sol
em véspera de explodir.
Meu filho
e
meu irmão,
aqui te devolvo aos teus
e te retenho em mim
como se esconde
a matéria sutil
da esperança…
Comentário do pesquisador
Pedro Tierra é pseudônimo de Hamilton Pereira da Silva. Em conversa particular, Pedro Tierra informou que o poema “Recomeço” foi escrito em meados da década de 1980, no período de transição entre a ditadura e a democracia, em meio às intensas lutas políticas em torno da elaboração da nova Constituição. Assim, o texto expressa preocupações, anseios e lutas do momento final da luta contra o autoritarismo do regime militar.