(O Prometeu da Frei Caneca será preterido pelo Apolo da Montenegro?)
Ela então me disse
não tenho a menor chance
de concorrer com seus amantes.
E mais:
que muito melhor que cruzar
essas grades de dia
é deitar com alguém
de corpinho mais perfeito
numa noite isenta de sirenes
repletas de encantos e incensos.
Infelizmente para meu amor-próprio
eu concordo
e de garganta ressecada
sepulto o mito
que meu prazer
tenha a força de uma sentença absolvitória
para tudo.
Visto então o pijama zebrado da angústia
prisioneiro de mim mesmo
permaneço em sentido
-ombro armas
enquanto as salvas de canhão
saúdam as exéquias de um amor
e os fantasmas vestidos de verde-oliva.
Como concorrer com a noite
o nascimento do sol
com a possibilidade de todas as paisagens
com a opção de gozar em todas as praias e portos
alguns seguros,
outros perigosos?
Só sou responsável pelo que sinto
só posso oferecer além de mim
a passagem por pátios ensebados
as visitas que fazem fofocas sobre minhas aventuras amorosas
os guardas que fungam a mamadeira do meu filho
os intrusos que batem em minha cela
e empatam minhas fodas.
Eu, pobre amante encarcerado
não tenho nenhum manto
e apenas o pau como centro.
Reinarei na sua emoção
apenas o tempo que for permitido,
antes que as solicitações da vida sejam mais fortes.
A brevidade é para mim
uma longa experiência
aprendida na dor de cada corpo
efêmero que parte.
Nunca canto vitória
porque a ninguém possuo
sou eterno apenas no momento
que dentro de você tremo de medo
ante a perspectiva do retorno.
Meu corpo não tem areia, sal,
reflexo de néon
burburinho de bar
liberdade de procura,
meu corpo é apenas ele mesmo
caminhando de um lado para outro da cela
sem qualquer moldura
que o valorize além do que ele é.
Flor resistente
entre um bouquet de vidas ceifadas
não me arrependo de ter gasto a juventude
em causas tão mal compreendidas
e sonhos tão ardentemente desejados.
Devo pagar em cada paixão
impedida pelas grades
o preço de minha loucura
e deixar para quem viveu em paz
a relativa mediocridade
a coroa de louros feitas das chepas de meus amores.
Afinal toda cidade e suas delícias
conspiram contra mim.
reles habitante do inferno cinzento
entre tantos outros menos votados.
E quanto a você
ex-musa descarnada de pedras,
entenda que desejo sua felicidade
mesmo às sextas-feiras,
para isso existe a desfaçatez necessária
e o diafragma.
Impavidamente
traçarei no sábado
a parte que me cabe
e serei feliz.
Impedido de demolir grades
trucidar guardinhas
plantar jardins suspensos da Babilônia
em cada guarita
espero apenas que nosso óbito
se dê por morte natural
e nunca como consequência de um poder
que jamais deleguei a essas paredes.