Púrpura e Diamância

Ruy Espinheira Filho

PURPURA E DIAMÂNCIA

 

1
Porque apontaste
a nudez do rei
estás nu na praça.

 

Mais que nu: teu gesto
despiu-te além da roupa:
abriu-te
a porta mais recôndita,
e o cofre
oculto por esta porta,
e,
no cofre,
revelou a tua essência mesma
de ser.

 

2
Ai que o rei ora te sabe
em claro sol!
A sua nudez, que indigitaste,
ninguém vê.

 

Há muito não se vê
senão o que indica
o soberano indicador;
faz tempo as gentes
acreditam somente
no que lhes conta o rei;
faz tempo só se vê
pelo olho do rei;
só se lê
pela escrita do rei;
só se existe
segundo o rei permite.
E em todas as consciências,
há muito, o rei
teleprojetou-se em púrpura e diamância.

 

3
Tu sabes
que ele está nu
e é disforme e flácido e enrugado
e grotesco e repugnante e tem
as partes podres, purulentas

 

— mas isso não importa
se ninguém pode ver
além de ti.
Se todos, ab initio, foram programados
para só detectar
púrpura e diamância.

 

Apenas uma nudez se fez visível
na ponta do teu gesto:
a tua,
que ao rei e aos seus poderes denuncia
um equívoco em ti

que subverte

o real ditado pelo rei.

 

4
Sim: o teu real
contraria o do rei.
Opõe-se ao de todos
que estão nesta praça.
Ah, nada aprendeste
do que te ensinaram!

 

Em que te distraías
— quando te mostravam
o que devias ver?
— quando gravavam
a púrpura nos olhos
e além dos olhos?
— quando te falavam
sobre a cintilância
do rei e seu séquito?
— quando repetiam
que o único real
é o do rei?

 

Em que te abismavas
— em que traição? —
quando trabalhavam
tua perfeição?

 

0 que maquinavas
— que plano? que mal? —
quando te moldavam
súdito ideal?

 

Não sabemos. Sabemos que descumpriste
o teu dever de ver e de viver.
Principalmente o rei
sabe
(bem já te advertira o Eclesiastes...)
e com um gesto convoca a punição.

 

5
Então é fugir
em

tresloucura

doidespero.

 

Sob a batuta real
as gentes se unem,
formam paredões
contra essa fuga.

 

Perto,

mais perto

o arfar hediondo
dos perseguidores.

 

E foges
e rompes
e pisas
e saltas
e grimpas
a torre
de Babel,
a escada
de Jacó

velozpanicamente!

 

Foges e te ocultas
e mordes, exausto, a poeira
deste canto de muro que te guarda.

 

Exausto, exausto,
ofegas
colado à sombra, ao chão.

 

Um átimo apenas para sonhar

com força

violência

raiva

um lugar,

por mais mínimo,

sem o dever de ver e de viver.
o real do rei.

E já

te fareja de novo a punição.

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— Colofão

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Bolsistas de pós-doutorado (CNPq)

Camila Hespanhol Peruchi

Rafael Fava Belúzio

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Ana Clara Magalhães (UnB)

Cleidson Frisso Braz (Doutorando UFES)

Cristiano Augusto da Silva (UESC)

Diana Junkes (UFSCar)

Fabíola Padilha (UFES)

Francielle Villaça (Mestranda UFES)

Henrique Marques Samyn (UERJ)

Marcelo Paiva de Souza (UFPR/CNPq)

Mariane Tavares (Pós-doutoranda UFES)

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