Quando vem a procissão
no seu passo de perdão,
Alcaide, comendador
dominam povo e andor
Cada grupo de irmandade
empunhando uma verdade:
A das Filhas-de-Maria
virgindade em romaria
Do SSmo Sacramento
vermelha de emproamento
Do Senhor Jesus dos Passos
roxo em santos e devassos
Irmãs da Ordem Terceira
terço em mãos de camareiras
Os meninos da Cruzada
fome na barriga inchada
A Banda da Prefeitura
solo e soldo de amargura
Estandartes, confrarias
escondem velhacarias
O Santo vai carregado
pelos donos do mercado
e o povo segue inocente
descalço, nu, paciente:
— A compacta multidão
carente de Deus e pão.
Comentário do pesquisador
O tema da procissão é permite a autora explorar questões sociais, econômicas, políticas e religiosas da sociedade da época. Uma dessas questões se mostra na oitava estrofe, "Os meninos da Cruzada / fome na barriga inchada", quando é exposto o problema da fome, recorrente no Brasil durante os Anos de Chumbo. Além disso, a estância seguinte, "A Banda da Prefeitura / solo e soldo de amargura", há uma alusão mais direta à questão militar. Como era recorrente na época, a banda de música da prefeitura, especialmente no interior do Brasil, é ligada aos militares, tocando músicas marciais e a ela sendo reservado o chão onde ocorrem desfiles, procissões cívicas. O soldo, salário recebido por militares, é no poema, ademais, colocado como "de amargura", o que permite pensar tanto nas baixas condições de salário dos soldados quanto na amargura que é trabalhar para militares em uma época em que os próprios militares prendem, torturam e matam civis. Nessas condições, estar na banda (no grupo, na visão de mundo, no bando) da prefeitura (do poder político) é visto no texto como algo amargo, amargurado, triste.