Olhe a cadei(r)a
flor anatômica
plurificada
no pensamento:
no transparente
da forma acrílica
cem mil sementes
patenteadas
Olhe a cadei(r)a
voz parabólica
projeta o corpo
do seu terraço;
desenha focos
onda nos vídeos
no movimento
dos seus canais
Olhe a cadei(r)a
nos antiquários
junco e palhinha
paz no entremeio-
cantar do tempo
de herança austríaca:
salas-salões
pulverizados
Olhe as cadei(r)as
fluídas do mundo
neutro auditório
sono profundo:
anfiteatros
coro eletrônico
na sinfonia
do tempo atômico.
Comentário do pesquisador
A cadeia é um tema fundamental da poesia ligada aos Anos de Chumbo, uma vez que no período diversas pessoas se tornaram presos políticos. Assim, ainda que talvez sutilmente, a escritora está no "cantar do tempo", como é dito na sexta estrofe. Em contraste com essa posição, o eu lírico observa um "neutro auditório" em "sono profundo", e, assim, traz para o texto um problema recorrente na época, uma espécie de indiferença das pessoas diante dos problemas políticos - como as prisões - observadas durante a Ditadura Militar. Ademais, o poema demonstra um constante tom convocatório, chamando o leitor para que ele "Olhe a cadei(r)a", observe a situação prisional nos idos dos anos 1970