Pop
I
O som se acende no corpo:
gritarras elétricas — garras
várias, em cada acorde
um tom que é um furo
instantâneo como um tiro
no alvo do ouvido que vê
o vento, e escuta o gesto
das notas nas pausas do vôo
e a navalha nua da fala
nas cruas cordas da voz.
II
A velocidade veste meu corpo:
cápsula de lapsos, viagem
a mil, sem freios, em mim
eu devasso o avesso do eu
o vão da vida, a veia e a via
o chão de sangue do ser que voa:
míssil que a memória não capta
bala de febre, cor e fumaça
que a mão do pensamento não alcança
nem pára: ela passa sendo só asa.
III
O sexo escreve na pele
o gesto de carne do corpo
embola seu punho, seu êmbolo
em palma aberta, por dentro.
Imprime em cada epiderme
as marcas de sua alavanca
e levanta todas as tampas
e escava todos os poros
e apalpa e planta e calca
o sangue o signo o salto.
Comentário do pesquisador
O poema passa por algumas questões ligadas aos Anos de Chumbo, a exemplo da presença de armamentos ("instantâneo como um tiro / no alvo do ouvido que vê"); a censura, o silenciamento ("a navalha nua da fala / nas cruas cordas da voz"); a violência física ("o chão de sangue do ser que voa").