POESIA SEQUESTRADA
Brasília, 13 (ABI) —— Porta-vozes
do futuro desembarque denunciaram
o sequestro da poesia.
Sua vida corre perigo
na opinião de olhares firmes
implantados em rostos decididos.
Os telegramas sobreviventes
afirmam que ela desapareceu
quando pastoreava nuvens suspeitas
e começava a repartir
fatias de azul
para alimentar a confiança
dos homens que resistem.
Pelo tremor dos lábios
de uma boca vacilante
ficou esclarecido
que está detida e amordaçada
numa prisão política federal.
Deixou também vestígios
em paisagens gradeadas
onde foi acareada
com um poeta prestidigitador
(convidado especial)
e interrogada por um censor.
Radiografias anônimas
distribuídas ao entardecer
registraram no seu corpo rijo
uma vértebra deslocada
e duas costelas partidas.
Ficou com calos nos ossos
e uma fratura exposta
na sensibilidade.
Uma gota escura
marcou o chão pesado
da primeira bofetada.
Mas torturadores enlouqueceram
quando ela explodiu
em cores e caminhos
ao ser dependurada
no pau-de-arara.
O cacetete elétrico
depois dos golpes
inverteu a função:
«nunca mais, nunca mais»...
As luzes da cidade
transmitiram nitidamente
as verdades liberadas pelo pentotal
logo que os primeiros choques
a sacudiram, na cadeira-do-dragão.
Não traiu.
Um polícia calculou mal a distância,
vazou os próprios olhos.
Opiniões pálidas
vararam as frestas
do gabinete do Ministro da Justiça
revelando que o sistema está decidido
a manter o seu canto reprimido
sob as ordens e para o progresso
de castas em decomposição
e quadrilhas multinacionais.
Versões de última hora asseguram
que os órgãos de repressão e o Esquadrão da Morte
receberam determinações urgentes
de tentar executá-la enforcada,
enquanto ainda controlam as trevas.
Várias testemunhas garantem:
assim que este rumor circulou
na última madrugada,
de cada poste da cidade
despencava sangrando
uma letra da palavra liberdade. (ABI)
(1975)