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POEMINHA FILOSÓFICO
Hoje sou o que penso
que teria sido
se houvesse vivido o que pensei ser,
não o que fui.
Hoje não estou preso
nem derrotado, nem sozinho.
Na minha parede não há grades
e não há paredes no meu mundo.
Hoje sou o que penso ser,
não o que sou.
Sou um eu que não está comigo
nem mais pode ser eu,
porque não estando onde estou
vivo cheio de coisas
que não habitaram outrora
o que eu pensei de mim.
Hoje penso que não penso nada do que penso
nem do que busquei, engendrei,
desfiz, ultrajei, construí ou vivi.
A vida é geometria tangente
que me saúda nas margens,
sem pó nem suor,
só com a minha vontade
de que tudo houvesse acontecido
como nos sonhos pensados
ou nos ritmos passados do que não fiz.
Hoje penso que sou
nada do que quis,
somente tudo
do que agora penso.
Hoje penso que sou Fernando Pessoa
e que morri adulto e lúcido
em 1935, um ano depois de ter nascido.
(Cárcel Montevideo, 27-XI-1977)
Comentário do pesquisador
Nota do autor: "Numa tarde (em uma só) no Cárcere Central de Montevidéu, num papel de pão escrevi três poemas, um em seguida ao outro. Era o dia 27 de novembro de 1977. Aí vão:".