POEMA PARA AS BOCAS MUDAS
“Nenhuma voz se levanta além da voz
dos dominadores.
Nos mercados de exploração
se diz em voz alta:
Agora acaba de começar.”
Bertolt Brecht
As bocas estão mudas
nas portas das fábricas.
Em silêncio, os operários caminham
às máquinas que engolem os dias,
trituram dedos,
assassinam esperanças.
Em silêncio os operários
são substituídos.
As bocas estão mudas
nas filas dos hospitais.
Resignada, a mãe segura
o filho morto nos braços,
e as lágrimas escorrem
por sua face descarnada.
No Atestado de Óbito
a fome justifica a causa mortis.
Resignada,
a mãe canta velhas canções
ao menino que dorme
o sono dos desgraçados.
As bocas estão mudas
nas palafitas sobre o mangue.
A miséria caminha
sobre as tábuas rotas
das ruelas suspensas.
A esperança diminui,
os casebres se apertam,
as crianças barrigudas
bebem água com excrementos
e sonham acordadas.
A desgraça transforma-se
numa instituição nacional.
As bocas estão mudas
nos campos da Pátria.
A terra concentrada
nas mãos de poucos
faz proliferar
os cinturões da fome
na periferia das cidades,
apertando a cada dia
os habitantes tristonhos.
O campo invade o perímetro urbano,
os trabalhadores rurais
vão lavar carros,
as filhas se prostituem,
os filhos são procurados
aos olhos da Nação.
As bocas da Pátria estão estáticas.
São as salas do Instituto de Surdos-Mudos
que invadem a todos nós.
Indiferente à dor,
o País canta canções ufanistas
em homenagem aos vencedores.
As bocas estão mudas...
Indiferentes a tudo,
uns poetas escrevem nas trevas
em louvor aos vencidos.
Rio de Janeiro, 4.5.73