POEMA PARA A MATA QUE CAI
“É terra, meu Deus, terra,
o que venho buscando.
Horizonte embuçado,
palpitação e sepultura.”
Federico García Lorca
A mata está caindo,
voe, bem-te-vi,
fuja, tatu
esconda-se, juriti,
corra, preguiça,
que aí vem a estrada,
aí vem o homem,
aí vem a fome,
aí vem a derrubada...
A mata está caindo,
voe, tucano,
fuja, gaturamo,
esconda-se, veado,
corra, tamanduá,
que aí vem a estrada,
aí vem a moto-serra,
aí vem a morte cega
revirando a terra
dos ancestrais esquecidos.
A mata está caindo,
voe, tururinha,
fuja, jacupemba,
esconda-se, capivara,
corra, onça pintada,
que aí vem a estrada,
vem a fumaça,
vem a máquina,
vem a desgraça,
engolindo as pessoas.
A mata está caindo,
voe, bicudo,
fuja, azulão,
esconda-se, gambá,
corra, caititu
que aí vem a estrada
por onde vai passar o progresso,
por onde vai passar o contrabando,
por onde vai passar a madeira,
vai passar a destruição,
vai passar a Transamazônica,
vai passar a morte atômica,
a corrupção
e o regime.
A mata está caindo,
voe, araponga,
fuja, tiziu,
esconda-se, graúna,
corra, preguiça,
que aí vem a estrada,
vem o camburão,
vem o soldado,
vem o batalhão,
vem o canhão,
com a dor,
com o pavor,
com o terror,
com o poder.
A mata está caindo,
voe, uirapuru,
fuja, curupira,
esconda-se, Cobra Norato,
corra, lobisomem,
que aí vem a estrada,
aí vem o machado
que é o princípio do fim.
A mata está caindo,
fujam,
fujam,
fujam,
fujam todos de perto
que aí vem o deserto.
Ponte Nova-MG, 9.5.70