POEMA DEPOIS DO SUPLÍCIO
Ao companheiro Mário Alves, torturado até à
morte a 16 de janeiro de 1971, que nos ensinou
esta verdade.
Hoje, o movimento
se faz imperceptível.
Os filhos estão mortos.
O povo adormecido.
Não vem da rua aos teus ouvidos
nenhuma canção de ninar.
Dir-se-iam depostas todas as armas,
o gesto de fogo enfim dobrado.
Entre os combatentes
há quem já não reconheça o caminho.
Há quem interrogue, com tristeza,
a praça vazia.
Se nesta hora o inimigo te procura,
recusa o jantar que te oferece.
Recusa a paz,
a vida que te oferece.
O jantar te daria um assento à mesa da noite.
Esta paz é a tua escravidão.
E se agora o inimigo te propõe a vida,
é chegada a hora de tua morte.
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Comentário do pesquisador
Pedro Tierra é pseudônimo de Hamilton Pereira da Silva. O "Poema depois do suplício" integra a seção “A hora do inimigo”, parte do volume “Poemas do povo da noite”. Na segunda edição desse livro (coeditada pela Fundação Perseu Abramo e pela Publisher Brasil, em 2009), há um texto introdutório, intitulado “Explicação necessária”, em que Pedro Tierra (Hamilton Pereira da Silva) informa: “Os poemas aqui reunidos foram escritos durante os cinco anos de prisão – de 1972 a 1977 – e publicados em volumes separados: Poemas do povo da noite (Ed. Livramento, S. Paulo, 1979), Água de Rebelião (Ed. Vozes, Petrópolis, 1983)” (2009, p. 19). A edição de 2009, que reproduz “Poema depois do suplício” na página 71, informa que esse poema foi escrito em 1974.