Poema das 13 faces e uma esperança

Domingos Pellegrini

POEMA DAS 13 FACES

E UMA ESPERANÇA

 

 

 

 

1       Um clássico. Perfeitamente.

        Neste momento sei que faço

        um clássico da Poesia

        Lírica Nacional.

 

2       A hora é limpa, propícia.

        Há pouco amanheceu

        como se fosse possível

        sem ordem superior.

 

3       Penso escrever um poema

        mas antes lego à ciência

        a diferença que tem

        um chouriço de um angu.

        Um leva sangue, outro não.

        E tudo que leva sangue

        tem ponto certo, cuidado.

        A pressa é grande inimiga

        de acerto e preparação.

        Por favor quem tiver pressa

        levante a mão. Prossigamos.

        Com pressa ninguém faz nada.

        Mas também ninguém descanse

        senão estamos roubados,

        nem vamos comer chouriço

        nem fazer revolução.

        Pois tudo que leva sangue

        exige preparação.

 

4       Um dia

        nós vamos cavar um túnel

        tão rápido

        como quem tira roupa do guarda-roupa.

        Numa liteira levaremos Jorge Amado,

        importaremos todos nossos exilados

        para inaugurar a luz no fim do túnel.

        Crianças estarão com bandeirinhas.

        Operários marcharão conosco, direitinho.

        Serão tão fácil que eu até choro.

        Precisamos urgente de uma canção.

 

5       Sim, sim

        e se Getúlio Vargas

        aparecer repetindo

        — Trabalhadores do Brasil! —

        eu subo num poste

        mando à puta que pariu.

 

6       O peito uma caldeira

        a cabeça uma usina

        pedra vira veludo

        os violinos desafinam

        o tempo vai o tempo

        vem o tempo virá

        precisamos urgente

        uma canção pra cantar

        de punhos fechados

        esmurrando o ar

        Geraldo Vandré

        velai por nós

        dai-nos uma canção

        dai-nos a garantia

        de que o claro dia

        do amor chegará

        assim poderemos

        dormir e sonhar

        desde já.

 

7       Enquanto isso eu sei perfeitamente

        todo cocô que eu faço vira e mexe

        sai pelo tubo perde-se nos canos

        bolo de sonhos legume de feira

        mas depois duma química infinita

        não tenho dúvida não há engano

        mesmo as batatas cheias de salário

        legislação trabalhista inseticida

        tudo virará carvão ou diamante

        quem sabe flor talvez até petróleo

        ou gás metano. Passemos adiante.

 

8       Mundo, mundo, vasto mundo

        se eu me chamasse Leonardo

        seria uma rima, não seria uma solução.

 

9       Vejamos de outro ângulo.

        A Chico, cortam o microfone.

        A Victor Jara cortaram as mãos.

 

        Outro dia atendi o telefone.

        Uma voz cavernosa, uma

        voz de terror e de polícia

        perguntou meu nome.

        Tremi. Quem é, perguntei.

        Era cobrança de prestação.

 

10      Coração velho de guerra

        já pediu concordata, aviso prévio,

        férias sem remuneração. Outro dia

        botei uma camisa imaculada,

        me penteei, olhei bem pro espelho

        e ele disse "Muito bem, muito bem,

        você está preparado pra morrer".

 

        Por isso eu tenho medo

        de apanhar chuva, pancada,

        vou ficando em casa.

        Mesmo assim tocaram campainha,

        me cortei fazendo a barba.

 

11      Mas não posso morrer antes de amanhã

        Repito este verso todo dia

        e todo dia abro a porta com medo,

        com a mão como se abrisse a laje fria.

        Mas uma voz previne-me sombria:

        "Já estás morto todo santo dia,

        você morreu e esqueceu de deitar.

        Volte já, e verifique as trancas.

        Deixou bem fechado o registro do gás?

        Vence hoje a prestação do sofá.

        Vai, que a inflação vai te correr atrás."

 

12      Fecho o expediente de poeta e saio.

        Cheiro de bife com cebola frita

        Banco do Brasil apito restaurante

        prato do dia notas promissórias

        criança desidratada mãe meio louca

        apito samba na loja de discos

        o zunido da broca do dentista

        explorando um filão às três da tarde

        nada se perde tudo se recolhe

        estrume papel lataria arame

        no fim do dia passam os meninos

        pó-de-serra lata pão dormido

        depois os compradores de garrafas

        de noite os bêbados os loucos mansos

        depois nem estrela arrisca um palpite.

 

13      Finalmente, uma esperança.

 

 

Você também pode se interessar por

— Colofão

Coordenação

Marcelo Ferraz (UFG/CNPq)

Nelson Martinelli Filho (IFES/UFES/CNPq)

Wilberth Salgueiro (UFES/CNPq)

Bolsistas de apoio técnico (FAPES)

Juliana Celestino

Valéria Goldner Anchesqui

Bolsistas de pós-doutorado (CNPq)

Camila Hespanhol Peruchi

Rafael Fava Belúzio

Pesquisadores/as vinculados/as

Abílio Pacheco de Souza (UNIFESSPA)

Ana Clara Magalhães (UnB)

Cleidson Frisso Braz (Doutorando UFES)

Cristiano Augusto da Silva (UESC)

Diana Junkes (UFSCar)

Fabíola Padilha (UFES)

Francielle Villaça (Mestranda UFES)

Henrique Marques Samyn (UERJ)

Marcelo Paiva de Souza (UFPR/CNPq)

Mariane Tavares (Pós-doutoranda UFES)

Patrícia Marcondes de Barros (UEL)

Susana Souto Silva (UFAL)

Weverson Dadalto (IFES)

Além dos nomes acima muitas outras pessoas colaboraram com o projeto. Para uma lista mais completa de agradecimentos, confira a página Sobre o projeto.

O MPAC é um projeto de caráter científico, educativo e cultural, sem fins lucrativos. É vedada a reprodução parcial ou integral dos conteúdos da página para objetivos comerciais. Caso algum titular ou representante legal dos direitos autorais de obras aqui reproduzidas desejem, por qualquer razão e em qualquer momento, excluir algum poema da página, pedimos que entrem em contato com a nossa equipe. A demanda será solucionada o mais rapidamente possível.

— Financiamento e realização

© 2025 Todos os direitos reservados