POEMA COM TEMA CIGANO — II
Vamos partir clandestinos
a bordo de um vapor antigo
(com mastros, velames e canhões)
conspirar contra uma certa ditadura,
trincar um certo general chileno?
Depois de explodir o gajo bebemos uns vinhos
jogamos pétalas de rosas
no túmulo de Neruda
e trepamos numa praia banhada pelo Pacífico.
(Eu sempre quis trepar numa praia banhada pelo Pacífico)
Depois iremos fazer agitação operária
em algum país civilizado
(chega de militar em ditaduras estúpidas!);
após os meetings, os piquetes,
cataremos livros raros em livrarias
e sebos sediados próximos à ruelas estreitas
num cais qualquer onde os navios partem.
Depois dos comícios
andaremos molhados de chuva
e pelos boulevares floridos
não levaremos guarda-chuva,
tomaremos um táxi
compraremos bisnagas imensas
bugigangas sem sentido
treparemos numa água furtada
cheia de telas, tintas,
livros poeirentos e projetos
em cima de uma cama alta
de ferro batido.
Depois iremos ao cinema
ver Jules et Jim.
Em seguida acamparemos na Transilvânia
eu trambiqueiro cigano
você vidente meio puta
eu em busca de um crime perfeito
você querendo um pau na gruta
nós atores ambulantes de um mambembe qualquer
sarrando junto de uma fogueira
sarros metafísicos
te arretando com saia
brinco, lenço e tudo
brincando e rolando sem ligar pro mundo
um carinho de muita selvageria, suor e palavrão:
eu com dente de ouro roubado
você com flor no cabelo.