Pobre república pobre
I
É um dia de república
pobre pobre
república azul
Como o primeiro dia do descobrimento
Plumas de arara
jurunas
o mesmo cruzeiro do sul
É um dia de república
Como um dia de Tomás Antonio Gonzaga
um dia de forca
mais que um dia mineiro
um dia de Alferes e não Silvérios brasileiros.
II
É um dia negro
Como teu dia Zumbi dos Palmares
É um dia vermelho
Teu dia, Marighella e companheiros
Novamente azul
Como o perverso dia dos mangues
e canaviais
Um dia em transe
Como os dias de Antonio Conselheiro
Como os dias do teu novo cinema
Amado Glauber
III
Águas de março e abril
Águas do desabrigo, lavai o nosso desamparo
Um dia do Fico, o dia em que partes
Desamado dia da pátria mais desamada
Salve, salve
IV
Sem dente de ouro e sem ouro
Hoje é o dia de Tiradentes
não é o dia dos traidores
Dia dos enforcados
Nem ladrões públicos
privados
nem vômitos da mordomia
nem doleiros
muambeiros
nem dia dos dez por cento
é dia da agonia
é dia do sofrimento
V
Cem milhões de atos
litúrgicos cirúrgicos
rasgam o teu ventre
Estão abrindo o futuro
no corpo do presidente
VI
Estão limpando o planalto
Estão lavando a planície
As bactérias resistem
Diz o noticiário
Velam templos e terreiros
Tanto pus nos impuseram
Entre a vida e a outra vida
já são mais de Sete Quedas
Já são mais de trinta dias
Adeus, adeus, Sobradinho
Acabou-se o sofrimento
Acabou-se o coitadinho.
(Que se acabem as prisões
Serras peladas
filas de Inamps
secas
inundações)
VII
É dia das elegias
dia de fazer repente
Diz o povo em sete sílabas
Não morreu o presidente
Cem milhões de bisturis
Estão limpando o teu ventre
Velha e suja república
Não morreu o presidente
Vivendo a tua morte
Estamos vivos novamente
É a ressurreição da pátria
Não morreu o presidente
Te vejo nas avenidas
E tão apaixonadamente
Sarando num bloco sujo
Não morreu o presidente.
O dragão ficou ferido
Vomita o sangue da gente
É pus da velha república
Não morreu o presidente.
VIII
Amado filho de S. João Del Rey
Não somos filhos do ventre sujo
e doente
Somos filhos de tua guerra
Contra esta república velha
que combates dentro do teu próprio
limpo ventre.
IX
Asas azuis
Garras azuis, não
Jardins de flores
Jardins de maio, não
Abril já não é o mais cruel
— mês da ressurreição.