PEREGRINO
Deixar durante a noite a porta aberta,
sem medo de perder os bens,
sem medo de perder-se...
O irmão que era pobre
e perdeu a casa no incêndio,
possa entrar de mansinho
e dormir sob seu teto,
sem a humilhação de pedir.
E se vá pela manhã, dentro da névoa,
assim como veio, solitário e livre,
sem explicações penosas.
E vocês não mais se encontrem,
e, encontrando, não se reconheçam
nem se sintam atados um ao outro,
além desse laço imperceptível
que une dois homens perseguidos.
Ele reconheça, não por palavras suas,
mas pela boca dos pobres
que a vontade de justiça prossegue...
O frio da noite, contudo,
não o alcance no deserto
e ele encontre entre o povo
o hábito de abrigar os fugitivos.
À luz da cadeia
receba em silêncio
notícias da luta:
homens fatigados
se batem na planície.
Homens endurecidos
resistem na planície.
E se vá pela manhã, dentro da névoa
a retomar o caminho interrompido.
Nos ombros, escassa bagagem de peregrinos:
a rede grossa, de algodão, puída,
o rifle curto, herança de revoltas.
(72)
Comentário do pesquisador
Pedro Tierra é pseudônimo de Hamilton Pereira da Silva. O poema "Peregrino" integra a seção homônima ao volume: “Poemas do povo da noite”. Na segunda edição desse livro (coeditada pela Fundação Perseu Abramo e pela Publisher Brasil, em 2009), há um texto introdutório intitulado “Explicação necessária”. Nessa introdução, Pedro Tierra (Hamilton Pereira da Silva) informa: “Os poemas aqui reunidos foram escritos durante os cinco anos de prisão – de 1972 a 1977 – e publicados em volumes separados: Poemas do povo da noite (Ed. Livramento, S. Paulo, 1979), Água de Rebelião (Ed. Vozes, Petrópolis, 1983)” (2009, p. 19). A edição de 2009 reproduz “Peregrino” nas páginas 51-52 com uma alteração significativa: o verso "À luz da cadeia" foi alterado para "À luz da candeia". O poema foi escrito em 1972.