Pequeno soneto em prosa

Paulo Mendes Campos

Pequeno soneto em prosa

 

 

 

 

Sempre me grilou o curto-circuito das contradições fundamentais: no

oligofrênico musical (meu amigo Otto desafina ao assoviar Dá nela) so-

fre um Beethoven mal sepultado: com um porém: mais surdo que as

portas dos castelos feudais.

 

No menino retardado e no ancestral King Kong esvoaça transcenden-

te rondinella — de asas ainda visgadas nos opacos vitrais do (ainda) in-

compreensível ou inexprimível. Mas na praça aristotélica de Goethe,

ou na planície platônica de Proust, sobra espaço (e capim) para a bes-

ta quadrada.

 

O pior cego é aquele que quer verde (é possível); mas também pode

ser que a visão do visível seja pouco mais que nada.

 

Baça e simples é a libido. Édipos amam suas mamãs de um fervor san-

to, pontual e burguês.

Um verme áptero (sem metafísica nenhuma) transfigura-se em lepi-

dóptero feliz.

Negócio é o seguinte: Rimbaud é mais por aquilo que não fez. Freud

talvez achasse o mesmo bosque (de Viena), se desse para caçar (em vez

de cobras e lagartos) as borboletas sutis.

 

Num minuto cabem horas: caladas, maceradas, amarradas ou ranço-

sas; as horas aladas disparam pelo céu em um segundo. A matemática

poética de hoje ignora se um é um. E as rosas? Ora, as rosas! São coti-

dianas — como as prosas emitidas do outro mundo.

 

Revire puerilmente o mapa-múndi: sulista é quem habita o Norte.

A mesma centelha enjaula o tigre do átomo e o cinde.

Claude Bernard falou e disse: "A vida é morte".

Como qualquer outro, Hitler também foi ein gutes Kind.

 

A Constante de Planck é uma piada cósmica:

000000000000000000000000006624.

 

Do senso comum

Chesterton e Shaw (polos opostos) desembrulham a graça adoidada. E

a bomba atômica vai matando atum.

 

Se fora zen-budista, Raimundo (das pombas) saberia que a máscara se

oculta sob a face. E era a ufania de Afonso Celso só uma ufania de con-

de, que acaso o conde disfarçasse?

 

Pela mesma contramarcha, o tímido e o casto são arrevesados de mag-

ma em brasa. Por fora o general é meio civil; o civil, por dentro, dá

umas de general.

Por vezes não sobe nem o foguete da Nasa.

E o Brasil? Será mais que o esfomeado amor (ou o gigantesco tumor)

de Portugal?

 

Ao ponto pode seguir-se uma vírgula (bem mineira); à vírgula pode

seguir-se a irreparável incongruência.

Pois é: a noitada de domingo já é segunda-feira.

E a Morte pode ser a Independência.

 

Falam muito: In my beginning is my end. Muito riso, pouco siso.

Ele é durão, mas, no fundo, é todo terno.

Hecha la ley, hecha la trampa.

Quem crê em Deus, vai pro Paraíso.

Quem não crê, vá pro Inferno.

 

Por fora bela viola... Água mole em pedra dura...

Não é da saúde que vive a doença?

 

Pra nosso tempo de miséria há um exagero de fartura.

 

O crime afinal compensa.

Ou não compensa?

 

Tese: no melhor amigo há o radical inimigo.

Antítese: o inimigo é o nosso amor secreto.

Síntese: como todo mundo, Howard Hughes faleceu mendigo.

 

— E nada existe mais abstrato do que o poema concreto.

 

 

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Nelson Martinelli Filho (IFES/UFES/CNPq)

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Bolsistas de apoio técnico (FAPES)

Juliana Celestino

Valéria Goldner Anchesqui

Bolsistas de pós-doutorado (CNPq)

Camila Hespanhol Peruchi

Rafael Fava Belúzio

Pesquisadores/as vinculados/as

Abílio Pacheco de Souza (UNIFESSPA)

Ana Clara Magalhães (UnB)

Cleidson Frisso Braz (Doutorando UFES)

Cristiano Augusto da Silva (UESC)

Diana Junkes (UFSCar)

Fabíola Padilha (UFES)

Francielle Villaça (Mestranda UFES)

Henrique Marques Samyn (UERJ)

Marcelo Paiva de Souza (UFPR/CNPq)

Mariane Tavares (Pós-doutoranda UFES)

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Susana Souto Silva (UFAL)

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