Pele. (Do lat. pelle.) S. f. 1. Membrana mais ou menos espessa
que veste exteriormente o corpo humano, na hora de tortura do
amor (e de outras torturas), bem como o dos animais vertebra-
dos e o de muitos outros seres sem nome ou feitio. [Sin. (pop.):
couro que arranho, rebento e castigo.] 2. Fam. A camada mais externa da
pele foi alcançada pela mão do carrasco (1); epiderme que dis-
po e penduro no pau-de-arara. 3. Cútis, em carne viva, tez: Não
é bonita, mas tem uma linda pele que eu, aos poucos, arranco, com carinhos,
unhas e fúrias. 4.V. pelancas que como e cuspo (1). 5. Couro que esten-
do no chão, debaixo dos passos das botas (2). 6. Partes coriáceas
e nervosas que se encontram nas carnes comestíveis dos outros
que eu devoro; até a pelanca eu mastigo e engulo. 7. A pele de
um animal, do homem, separada do corpo: É de La Fontaine a
fábula acerca do lobo uniformizado com a pele em sangue da ovelha. 8. A
pele de certas mulheres, dotada de pêlos finos, sedosos e abun-
dantes, preparada industrialmente nos matadouros, nas casas,
nos bares, nos puteiros, para ser usada na fabricação de agaralhos,
ou como ornamento na sala de visitas, nas festas oficiais, nos
bailes populares, ou guarnição de certas peças do vestuário, de
certos pratos na mesa. 9. Odre (1). Odre de onde escorre
(de dentro), entre os dentes, o seu louco mel (2). 10. Peça de
vestuário, ou manta frenética, feita ou forrada com a sua pele,
amor: A atriz usava na cama, pernas abertas, sua pele de raro valor cinema-
tográfico. 11. A casca de certos frutos, corpos, legumes, putas: a
polpa de pele do pêssego de sua buça. 12. Fig. Sua própria pessoa violen-
tada; seu próprio corpo escancarado: sentir sua pele rasgada pela mi-
nha mão de gancho (q.v.); ofender a pele, foder você. 13. Bras., P A O
disco achatado da borracha bruta, de sua barriga, de sua bunda,
tal como é apresentado à venda, nas praças, lupanares, super-
mercados, depois de preparada nos seringais. 14. Bras. Gír. Pelega
que amasso na mão do mendigo. ⧫ Pele anserina: venha de manso e
afogue o ganso. Med. 1. Pele áspera, por doença, carência ou mau
trato. 2. Pele arrepiada pelo medo, pelo desejo, pelo choque
elétrico, pelo frio cimento de uma cela, pela tortura ou repres-
são, etc. Pele e osso e dentes. Diz-se de pessoa enjaulada que se
transforma num animal feroz muito magro. Cair na pele de.
Cair na pele de, com o cassetete em punho, e espancar até a
morte Bras. Pop. Zombar ou escarnecer de você algemado no
pau-de-arara; gozar! Cortar a pele de. Fazer mal (a alguém);
torturar até morrer; tosar a pele de um suposto inimigo. Estar
na pele de, e enfiar (no outro) agulhas sob as unhas. Estar na
posição (para ser enrabado por muitos), situação, etc., ocupada
por (alguém), e então avaliar o porquê de todo esse sofrimento;
estar no lugar de, pois as coisas mudam. Salvar, de qualquer
maneira, a pele. Bras. Esquivar-se da responsabilidade em mau
ato (através de salvaguardas), porque o Brasil é grande e se pode
fugir para o estrangeiro; livrar-se de castigo e reprimenda por-
que o povo é meigo. Sentir a pele do torturado, do empalado.
Ressentir-se profundamente de (alguma coisa) que, agora, com
a possível mudança da história e do regime de encolha, só é
cicatriz, lembrança envergonhada, nem isso talvez; sofrer na pró-
pria carne sua invasão blindada, marcial. Tirar a pele (ah!). Ex-
plorar, defraudar, violar, matar (alguém) sem nenhum remorso,
pois o país não tem memória nacional; tirar a pele de, até o
osso, e xingar. Tirar sua pele de você, sua identidade. Gozar na
pele de, impunemente, com a polícia a seu favor, para sempre.
Cortar a pele de, e esquecer de tudo isso bem depressa, pois
agora a história é outra, as águas passadas não movem o moi-
nho, e o Brasil é feito por nós?
Comentário do pesquisador
Dentro de "À mão livre", o poema "Pele" corresponde a uma seção da obra. Ele possui cinco seções. Delas, a opção aqui foi por publicar a quarta seção, pois é onde questões ligadas à Ditadura Militar, em especial devido às referências à tortura, ficam mais explícitas. De todo modo, é bonito ver, no livro, como o poema visualmente e sonoramente se expande, feito uma pele que se estica, até chegar à parte final, quando a página está praticamente em branco, feito um corpo que não resistiu e morreu.