patrulha ideológica
te alerta poeta que a p/i te espreita
desestruturou o discurso e embaralhou as letras
te aleart paeto que o pc te recrimina
barroquizou a linguagem e descurou da doutrina
te alaert peota que o sni te investiga
parodiou o sistema e ironizou a política
te alaret poate que o women's lib te corta o genitálio
glosou o objeto sexual e teve orgasmo solitário
te alerat peato que a puc te escanteia
foi tema de mestrado e não quis compor a mesa
te alreta petoa que a cb não te reedita
gastou muito papel e pouco sangue na tinta
te alrate petao que a abl te indexa
fez enxertos de inglês e sujou a água léxica
te arealt patoe que a cnbb te exorciza
macarronizou o latim e não aprendeu a nova missa
te alatre potae que o esquadrão te desova
traficou palavrina e não destruiu a prova
te atrela ptoea que o doicodi te herzoga
suspeito sem suspeição e enforcado sem corda
i must be gone and live or stay and die
Comentário do pesquisador
O poema “patrulha ideológica” consta no livro “O belo e o velho”, cuja datação é 1982-1986, estando, portanto, mais ao final dos Anos de Chumbo. De todo modo, o repertório da Ditadura Militar ainda é muito vivo no imaginário de Affonso Ávila. Aparecem referências a elementos da esquerda (como o “pc”, isto é, o Partido Comunista) e a elementos da direita (com o “doicodi”, isto é, o DOI-CODI, um órgão subordinado ao Exército e que funcionava como um dos centros de tortura). De certo modo, o poema ironiza as patrulhas ideológicas (repressão de ideias contrárias à ideologia de quem realiza tal repressão) propostas por ambos os lados. Ademais, o texto lembra, por exemplo, o episódio da morte de Vladimir Herzog, jornalista torturado e assassinado pela Ditadura Militar no DOI-CODI, embora o “discurso oficial” da época declarasse que Herzog havia se suicidado por meio de um enforcamento por corda, e por isso o poema indica que o jornalista teria sido “enforcado sem corda”.