Pânico da morte anunciada

Maciel de Aguiar

PÂNICO DA MORTE ANUNCIADA

 

 

            “É preciso estar atento e forte,

             não temos tempo de temer a morte.”

                              Caetano Veloso

 

 

Não devemos acreditar

que morremos antes do temor

que se espalha pelo corpo

e deixa esvair o sangue,

fazendo aparecer

o branco pálido do medo

no lugar da rubra cor

das maçãs dos meninos febris

ardendo em chamas a face.

Não devemos admitir

que morremos antes do último

suspiro com uma bandeira,

um estilingue,

um livro de poemas,

um coquetel molotov,

um punhado de excremento

para jogar nos soldados.

Não devemos chorar os mortos

antes de fechar a última cova,

antes do último helicóptero

jogar nas profundezas

os corpos dos que se rebelam

 antes dos quartéis fazerem calar

os que ruminam as mágoas

diante dos demônios,

os que trazem os gritos

mudos na garganta,

enquanto as marcas da tortura

deixam em seus corpos

lições do que não devemos sonhar.

Irmãos brasileiros filhos da puta,

puta,

puta,

puta

Pátria que pariu tantos tiranos

e nos faz agora lamber

os excrementos dos generais,

em posição de joelhos diante das gargalhadas.

Não devemos aprender

que somos covardes,

um bando de cordeiros

que passeiam despercebidos

e aceitam comportadamente

o Toque de Recolher,

enchendo de pânico os ouvidos.

Não importa se a morte

anunciada seja breve,

o compromisso com a vida

tem que ser maior,

mas viver um minuto,

um dia,

um mês,

um ano,

um século,

já não faz diferença.

Não devemos temer

o encontro com os assassinos.

Levamos nas veias

o alimento necessário

a todos os sediciosos.

Que bebam,

bebam,

bebam,

bebam

a seiva de nossas vidas;

que se alimentem de nossas vísceras;

que tirem de nossa carne

o sustento da tirania;

que arranquem os nossos olhos

e nos coloquem diante das trevas;

que nos deixem em estado de desonra

frente o opróbrio da vida,

mas que não nos intimidem

com a morte anunciada

antes da hora finda;

queremos viver,

queremos viver,

queremos viver

até o último instante

da busca da Liberdade.

Não devemos acreditar

que morremos antes do primeiro tiro,

que morremos antes do último grito,

que morremos antes da derradeira dor.

Não devemos acreditar

que morremos antes do medo,

que morremos antes do tempo,

que morremos antes da hora...

Não devemos acreditar

que morremos antes do dia,

que morremos antes do fim,

que morremos antes da vida.

Não devemos acreditar…

Irmãos brasileiros filhos da puta,

puta,

puta,

puta,

Pátria que pariu tantos tiranos.

Não devemos acreditar

que morremos antes da morte...

 

 

                    Rio de Janeiro, 30.10.73

 

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