Paisagens feridas

Maciel de Aguiar

PAISAGENS FERIDAS

 

As imagens que chegam aos olhos

são de cidades turvas,

sem vida,

sem cor,

sem luz,

só a sombra do martírio

dos corpos desengonçados

caminhando pelos arrabaldes

com a arquitetura de túmulos

espalhados onde antes

era um lençol estendido

de verdes campos

e lírios...

Máquinas

e ferramentas

cavam,

cavam,

cavam

covas onde os infantes

serão jogados como indigentes

para que um dia os séculos

os encontrem desfeitos

em ossos misturados de uns com outros

que em vida nunca se encontraram...

São paisagens estarrecedoras

de cadáveres sendo arrastados

sobre o chão dos ancestrais.

Uns sem unhas,

outros sem pupilas;

uns sem dedos,

outros sem testículos;

uns sem dentes,

outros sem crânio;

uns sem mãos,

outros sem impressões...

As aves sobrevoam o assombro

nas cercanias à luz

do dia que queima as peles

expostas a tanta maldade,

enquanto os animais da terra

esperam as carnes como alimento,

e as ervas nascem dos crânios

onde passeiam lacraias

procurando seus domínios

diante dos corpos estendidos

que nunca mais terão donos…

As imagens que saltam aos olhos

são de sepulturas perdidas,

sem cruz,

sem data,

sem nome.

Só o universo da dor

acalenta os que pensam

que estão livres dos vivos,

oferecendo às gentes

um outro tempo disponível

para ouvir a versão

da história só contada

sob os jardins do esquecimento…

Máquinas

e homens

apagam,

apagam,

apagam

as impressões deixadas

pelas paredes dos cárceres,

os becos fétidos da Lapa,

os sobradões do Catete,

as ruas com fragrâncias

de pólvora

e gás lacrimogêneo

que apoderam-se dos sentidos…

As paisagens tenebrosas

cobrem as pálpebras marcadas

com a cruz do Esquadrão

enquanto as velas são acesas,

corpos são queimados nus.

Poetas que escrevem no breu

canções proscritas a todos,

e que nunca serão cantadas,

cravam um punhal no peito,

querem a morte,

querem a morte,

querem a morte...

As aves sobrevoam os quintos

com as asas atingidas

pelas balas assassinas

que traspassam os céus.

Algumas caem,

outras se perdem;

algumas resistem,

outras se despedaçam;

algumas planam,

outras se precipitam

pelos penhascos da morte.

As imagens que saltam aos olhos

são de paisagens feridas...

 

Rio de Janeiro, 13.8.72

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Bolsistas de pós-doutorado (CNPq)

Camila Hespanhol Peruchi

Rafael Fava Belúzio

Pesquisadores/as vinculados/as

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Ana Clara Magalhães (UnB)

Cleidson Frisso Braz (Doutorando UFES)

Cristiano Augusto da Silva (UESC)

Diana Junkes (UFSCar)

Fabíola Padilha (UFES)

Francielle Villaça (Mestranda UFES)

Henrique Marques Samyn (UERJ)

Marcelo Paiva de Souza (UFPR/CNPq)

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