PAISAGENS FERIDAS
As imagens que chegam aos olhos
são de cidades turvas,
sem vida,
sem cor,
sem luz,
só a sombra do martírio
dos corpos desengonçados
caminhando pelos arrabaldes
com a arquitetura de túmulos
espalhados onde antes
era um lençol estendido
de verdes campos
e lírios...
Máquinas
e ferramentas
cavam,
cavam,
cavam
covas onde os infantes
serão jogados como indigentes
para que um dia os séculos
os encontrem desfeitos
em ossos misturados de uns com outros
que em vida nunca se encontraram...
São paisagens estarrecedoras
de cadáveres sendo arrastados
sobre o chão dos ancestrais.
Uns sem unhas,
outros sem pupilas;
uns sem dedos,
outros sem testículos;
uns sem dentes,
outros sem crânio;
uns sem mãos,
outros sem impressões...
As aves sobrevoam o assombro
nas cercanias à luz
do dia que queima as peles
expostas a tanta maldade,
enquanto os animais da terra
esperam as carnes como alimento,
e as ervas nascem dos crânios
onde passeiam lacraias
procurando seus domínios
diante dos corpos estendidos
que nunca mais terão donos…
As imagens que saltam aos olhos
são de sepulturas perdidas,
sem cruz,
sem data,
sem nome.
Só o universo da dor
acalenta os que pensam
que estão livres dos vivos,
oferecendo às gentes
um outro tempo disponível
para ouvir a versão
da história só contada
sob os jardins do esquecimento…
Máquinas
e homens
apagam,
apagam,
apagam
as impressões deixadas
pelas paredes dos cárceres,
os becos fétidos da Lapa,
os sobradões do Catete,
as ruas com fragrâncias
de pólvora
e gás lacrimogêneo
que apoderam-se dos sentidos…
As paisagens tenebrosas
cobrem as pálpebras marcadas
com a cruz do Esquadrão
enquanto as velas são acesas,
corpos são queimados nus.
Poetas que escrevem no breu
canções proscritas a todos,
e que nunca serão cantadas,
cravam um punhal no peito,
querem a morte,
querem a morte,
querem a morte...
As aves sobrevoam os quintos
com as asas atingidas
pelas balas assassinas
que traspassam os céus.
Algumas caem,
outras se perdem;
algumas resistem,
outras se despedaçam;
algumas planam,
outras se precipitam
pelos penhascos da morte.
As imagens que saltam aos olhos
são de paisagens feridas...
Rio de Janeiro, 13.8.72