OS SUPLICIADOS
Os supliciados de hoje
são os mesmos de ontem.
São netos,
são filhos,
são avós
que nos séculos de servidão
foram levados ao pelourinho,
humilhados em praça pública,
vendidos como animais,
surrados,
seviciados,
que derramaram pelas ruas
o sangue do padecimento,
deixando uma eternidade
de escravidão
e injustiça.
Os supliciados de hoje
vêm do longe da História,
de dorsos nus sob o chicote
dos senhores de engenho,
calejando as almas
nas dezenas,
centenas
e milhares
sem que nada lhes fossem reparado,
sem que nada lhes fossem concedido,
sem que nada lhes fossem recompensado,
além das senzalas sob a casa-grande,
dos cortiços invadindo o mangue,
das palafitas nas cercanias,
dos barracos dependurados,
dos subempregos permitidos
e da impossibilidade de partilhar
da História dos vencedores
ou do direito à alegria.
Os supliciados de hoje
surgem do fundo do poço
onde as nações são submergidas
para conhecer a desgraça.
São moçambiques,
são benguelas,
são cabindas,
botocudos,
tupiniquins,
guaranis,
brancos,
mulatos,
cafuzos,
gentes com as veias
latejando o sangue dos ancestrais
escravizados pelos regimes
pelos séculos de domínio,
espalhando o terror
como castigo
e a tortura
como forma
de fazer calar
a boca dos que se deram
em rebeldia pelos cantos,
canudos,
ibiúnas,
araguaias,
redações,
aparelhos,
pátios das escolas,
passeatas carregando os mortos
e derramando a dor.
Os supliciados de hoje
trazem no âmago da alma
os sonhos dos que primeiro
foram levados a conhecer
os próprios assassinos
antes de receber na carne
o último golpe letal.
São meninos que guardam
lembranças dos arrastados
pela Polícia Política Federal
para dentro dos camburões
e que nunca mais deram notícias.
São pais que procuram pelos filhos,
são heróis que emprestaram o nome
para a Lista dos Desaparecidos,
são avós que procuram os netos,
são mães desesperadas aos gritos,
são mãos que escrevem cartas
sem nunca receber resposta,
são gentes que fogem assustadas
pelos séculos de padecimento.
Os supliciados de hoje
são os mesmos que, no longe
da eternidade dos anos,
emprestaram a vida
para o domínio dos senhores.
Os supliciados de hoje
serão os mesmos que no amanhã
continuarão sonhando
os mesmos sonhos dormidos
no peito dos ancestrais.
Os supliciados de hoje,
ontem
e amanhã,
se juntam na mesma dor
eterna diante da servidão…
Rio de Janeiro, 8.4.72