Os supliciados

Maciel de Aguiar

OS SUPLICIADOS

 

Os supliciados de hoje

são os mesmos de ontem.

São netos,

são filhos,

são avós

que nos séculos de servidão

foram levados ao pelourinho,

humilhados em praça pública,

vendidos como animais,

surrados,

seviciados,

que derramaram pelas ruas

o sangue do padecimento,

deixando uma eternidade

de escravidão

e injustiça.

Os supliciados de hoje

vêm do longe da História,

de dorsos nus sob o chicote

dos senhores de engenho,

calejando as almas

nas dezenas,

centenas

e milhares

sem que nada lhes fossem reparado,

sem que nada lhes fossem concedido,

sem que nada lhes fossem recompensado,

além das senzalas sob a casa-grande,

dos cortiços invadindo o mangue,

das palafitas nas cercanias,

dos barracos dependurados,

dos subempregos permitidos

e da impossibilidade de partilhar

da História dos vencedores

ou do direito à alegria.

Os supliciados de hoje

surgem do fundo do poço

onde as nações são submergidas

para conhecer a desgraça.

São moçambiques,

são benguelas,

são cabindas,

botocudos,

tupiniquins,

guaranis,

brancos,

mulatos,

cafuzos,

gentes com as veias

latejando o sangue dos ancestrais

escravizados pelos regimes

pelos séculos de domínio,

espalhando o terror

como castigo

e a tortura

como forma

de fazer calar

a boca dos que se deram

em rebeldia pelos cantos,

canudos,

ibiúnas,

araguaias,

redações,

aparelhos,

pátios das escolas,

passeatas carregando os mortos

e derramando a dor.

Os supliciados de hoje

trazem no âmago da alma

os sonhos dos que primeiro

foram levados a conhecer

os próprios assassinos

antes de receber na carne

o último golpe letal.

São meninos que guardam

lembranças dos arrastados

pela Polícia Política Federal

para dentro dos camburões

e que nunca mais deram notícias.

São pais que procuram pelos filhos,

são heróis que emprestaram o nome

para a Lista dos Desaparecidos,

são avós que procuram os netos,

são mães desesperadas aos gritos,

são mãos que escrevem cartas

sem nunca receber resposta,

são gentes que fogem assustadas

pelos séculos de padecimento.

Os supliciados de hoje

são os mesmos que, no longe

da eternidade dos anos,

emprestaram a vida

para o domínio dos senhores.

Os supliciados de hoje

serão os mesmos que no amanhã

continuarão sonhando

os mesmos sonhos dormidos

no peito dos ancestrais.

Os supliciados de hoje,

ontem

e amanhã,

se juntam na mesma dor

eterna diante da servidão…

 

Rio de Janeiro, 8.4.72

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