OS SUBTERRÂNEOS
Nos subterrâneos da pátria,
fervilham os crimes contra a vida,
velhos imploram por seus netos,
mães gritam por seus filhos,
noivas chamam por seus amados,
mas ninguém ouve o clamor
das entranhas dos possuídos.
Nas cercanias das cidades,
cada um procura pelos corpos
dos desaparecidos,
ossadas que se amontoam
nas valas comuns soterradas.
Nas trevas de hoje sobre os mortais,
cada um acalenta sua dor
fechando os olhos úmidos
diante dos fantasmas
que descem aos quintos
para buscar os mortos,
degraus de carne e osso,
restos de penitência
perpetuados na História…
Nos túneis sem fim que navegam
os subterrâneos da Pátria,
os soluços dos que vão
encontrar-se com os assassinos
enchem os ares de medo,
dezenas de prantos pelos cantos,
centenas de vozes desesperadas
clamando por piedade,
enquanto na superfície intacta
uma multidão passeia
sem se dar conta ao menos
de que debaixo dos pés
o temor engole as vidas.
Nos vales dos rios rubros,
sangram os corpos indefesos
para fazer escorrer
os veios fertilizando a terra
dos ancestrais sepultados
pela mesma causa perdida
em outros tempos de aventura.
O relógio faz o tempo
passar indiferente
pela ampulheta de vidro,
e todos perfilados entregam
os corpos ao prazer do regime.
Meninos nus andam
enlouquecidos pelas ruas
aos gritos de pavor;
duendes escondem-se das chagas
que são espalhadas nos jardins,
diante do tempo que não pára.
As mil e uma noites
cobrem os cornos dos demônios
que afogam as luas novas
nos tachos de azeite,
vinagre
e sal,
cicatrizando nos corpos
os milhões de açoites.
Os lábios dos que vomitam
as entranhas em pedaços
petrificam-se na dor
do último beijo
na face traída do Cristo,
enquanto nos subterrâneos
os mortos-vivos arrastam
os espectros para o fundo
e os assassinos bebem
no cálice da mão em concha
o sangue derramado.
Nos subterrâneos, os rebelados
serão para sempre esquecidos.
Rio de Janeiro, 29.4.72