OS SOBREVIVENTES
Os que sobrevivem aflitos
ao nosso tempo de hoje
saem pelas ruas em delírio…
Em cada boca um grito,
em cada passo um desespero,
em cada esquina uma aflição…
Os que são levados um dia
a atentar contra a própria alma,
com o crânio afundado,
as pernas em estado de choque,
os testículos em dor,
ficam procurando as causas
perdidas pelos escombros
da Pátria que faz de conta
que nada sabe,
nada ouve,
nada vê...
Os que resistem aos métodos
insanos da tortura
contra os corpos indefesos,
frente os amigos,
frente os filhos,
frente os netos,
saem pelas praças,
sem lembrança,
sem destino,
sem nome,
deixando rios de sangue
que escorrem das unhas,
maldizendo a sina.
Os que sonham com uma aldeia
escorrendo pelas beiradas do mundo
procuram o Atestado de Óbito
nas manchetes dos jornais,
nas notícias da TV,
na voz que vem do rádio,
ainda com as mãos
a implorar que parem
de lhes fazerem chorar
as dores que não são só suas.
Os que vomitam pelos corredores
placas de sangue pisado,
ruminando palavras
como um animal asfixiado,
diante do caçador,
imploram pelo direito
de sepultar seu cadáver
como quem carrega um peso
insuportável nos ombros,
que o faz perambular
genuflexo pelas ruas,
sem direito ao menos
à felicidade sonhada.
Os que indagam nos tribunais
pelos corpos dos filhos
que se foram na escuridão
caminham com o olhar
embuçado de aflição,
rasgando os cantos da alma
com os espinhos de cacto
como quem fura os olhos
para não mais enxergar
a indulgência que o possui.
Os que mostram as marcas
do suplício sobre a pele
como quem se despe
das ilusões perdidas,
como uma vitrine de corpos
em sevícias
e pavor,
oferecem as lembranças
nas noites de alucinação
que ficaram sob as pálpebras
como um inferno cotidiano.
Os que oferecem as carnes
de chagas em tatuagens
numa tentativa final
de encontrar a esperança,
chamando pelos irmãos
desaparecidos neste tempo,
gritando pelos amigos
levados pelos soldados,
choram pelos mortos
traspassados pelas balas,
trazem ainda uma chama
pequenina nas entranhas,
iluminando o caminho
diante da impossibilidade.
Os que sobrevivem à fúria
dos que se alimentam do sangue
dos cidadãos do mundo
acariciam a esperança
de encontrar a Liberdade
como quem espera pelo dia
que há de vir do horizonte
após a noite longa
de agonia
e pavor,
que cai sobre os que se escondem
nos guetos fétidos do mundo.
Os que pensam que estão vivos
nem sabem que o esquecimento
ronda os calcanhares...
Rio de Janeiro, 05.09.72