Os sobreviventes

Maciel de Aguiar

OS SOBREVIVENTES

 

Os que sobrevivem aflitos

ao nosso tempo de hoje

saem pelas ruas em delírio…

Em cada boca um grito,

em cada passo um desespero,

em cada esquina uma aflição…

Os que são levados um dia

a atentar contra a própria alma,

com o crânio afundado,

as pernas em estado de choque,

os testículos em dor,

ficam procurando as causas

perdidas pelos escombros

da Pátria que faz de conta

que nada sabe,

nada ouve,

nada vê...

Os que resistem aos métodos

insanos da tortura

contra os corpos indefesos,

frente os amigos,

frente os filhos,

frente os netos,

saem pelas praças,

sem lembrança,

sem destino,

sem nome,

deixando rios de sangue

que escorrem das unhas,

maldizendo a sina.

Os que sonham com uma aldeia

escorrendo pelas beiradas do mundo

procuram o Atestado de Óbito

nas manchetes dos jornais,

nas notícias da TV,

na voz que vem do rádio,

ainda com as mãos

a implorar que parem

de lhes fazerem chorar

as dores que não são só suas.

Os que vomitam pelos corredores

placas de sangue pisado,

ruminando palavras

como um animal asfixiado,

diante do caçador,

imploram pelo direito

de sepultar seu cadáver

como quem carrega um peso

insuportável nos ombros,

que o faz perambular

genuflexo pelas ruas,

sem direito ao menos

à felicidade sonhada.

Os que indagam nos tribunais

pelos corpos dos filhos

que se foram na escuridão

caminham com o olhar

embuçado de aflição,

rasgando os cantos da alma

com os espinhos de cacto

como quem fura os olhos

para não mais enxergar

a indulgência que o possui.

Os que mostram as marcas

do suplício sobre a pele

como quem se despe

das ilusões perdidas,

como uma vitrine de corpos

em sevícias

e pavor,

oferecem as lembranças

nas noites de alucinação

que ficaram sob as pálpebras

como um inferno cotidiano.

Os que oferecem as carnes

de chagas em tatuagens

numa tentativa final

de encontrar a esperança,

chamando pelos irmãos

desaparecidos neste tempo,

gritando pelos amigos

levados pelos soldados,

choram pelos mortos

traspassados pelas balas,

trazem ainda uma chama

pequenina nas entranhas,

iluminando o caminho

diante da impossibilidade.

Os que sobrevivem à fúria

dos que se alimentam do sangue

dos cidadãos do mundo

acariciam a esperança

de encontrar a Liberdade

como quem espera pelo dia

que há de vir do horizonte

após a noite longa

de agonia

e pavor,

que cai sobre os que se escondem

nos guetos fétidos do mundo.

Os que pensam que estão vivos

nem sabem que o esquecimento

ronda os calcanhares...

 

Rio de Janeiro, 05.09.72

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Valéria Goldner Anchesqui

Bolsistas de pós-doutorado (CNPq)

Camila Hespanhol Peruchi

Rafael Fava Belúzio

Pesquisadores/as vinculados/as

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Ana Clara Magalhães (UnB)

Cleidson Frisso Braz (Doutorando UFES)

Cristiano Augusto da Silva (UESC)

Diana Junkes (UFSCar)

Fabíola Padilha (UFES)

Francielle Villaça (Mestranda UFES)

Henrique Marques Samyn (UERJ)

Marcelo Paiva de Souza (UFPR/CNPq)

Mariane Tavares (Pós-doutoranda UFES)

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Susana Souto Silva (UFAL)

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