Os relógios

Paulo Mendes Campos

Os relógios

 

 

 

Manhã de Nova York com 30 milhões de relógios.

Óleo vesperal dos portos hanseáticos.

Jardim pequinês.

Funcionário civil ouviu canto de pássaro pintado.

Que tempo foi em Pequim? Ópio de tempo,

indiferente. Noite.

Relógio.

Mandarim adormecido.

Funcionário civil ouviu pássaro pintado.

Hamburgo,

Hamburgo é um castelo

de água e de vento

com subsolos de mortuária madeira

cheirando a cereja açucarada.

Comovidos na serragem do silêncio

serve-se uma canja dourada

a dois amantes sem fome

divididos pelo mundo. Mundo

de torres subterrâneas,

descampados,

códigos, plataformas cinzentas,

aeroportos glaciais, olhos

celestiais além do cristal,

alto-falantes ordenando

que se beijem,

que se façam,

que se desfaçam,

e boa viagem! Que mundo

este mundo!

Príncipes invisíveis o comandam,

metais gelados nos adeuses,

cidades e vidas

amputadas no passo da hélice, que mundo

este mundo! Hamburgo,

senadores com seus mantos de granito.

A tarde sem sol com seus relógios solenes.

Um grito dentro do museu.

 

Dois caças a jato, escuros

piratas, sobem ao céu da Holanda,

onde outrora voavam as vacas.

Tempo do homem, só,

com uma inútil identidade. Tempo

de olhar as barcaças do Tâmisa antes

do repouso

no parque desfolhado. Este alento

petrificado nas abadias.

Firenze. Fiesole.

Andrea del Sarto cheirando a noite

no grito da coruja. Fiesole, Firenze,

espaço,

tempo,

muros e minutos

estruturados

numa ansiedade.

 

Troncos gotejam,

grito de água em lavabo cinzelado,

úmido é o mundo.

Como os úmidos telhados do mar do Norte.

Luz acesa no Cáucaso, pão e vinho,

e o relógio; que mundo

este mundo, que tempo

este tempo, que soturnidade

à beira dos rios:

sonâmbulos da ponte do Brooklin,

escunas escuras

do Elba, o Tejo sem reflexo, o Neva

de neve, o Neckar

com jovens eruditos bêbados, o Liffey,

os rins e os relógios,

os rios e os relógios,

os restos dos rios e os relógios,

os rastos dos rios e os relógios

os restos dos rastos e os relógios

os rastos dos restos e os relógios

o rasto da lesma

sobre a pedra circular

do relógio.

 

Jardim em Pequim,

telefone gigantesco e mudo em Hamburgo,

tercetos geométricos em Florença,

sempre o homem

com o seu relógio.

Tempo é dinheiro

dinheiro é homem

homem é segredo.

Depois do homem

alguém vende o seu relógio.

Depois do amor

fica no ar o relógio.

Depois das flores removidas

o relógio do morto.

O relógio do morto.

Só depois que acaba o tempo

o ouro do sol e os anéis de Saturno

começam a roer os restos do relógio.

 

   Entre o gordo

   e o magro

   a moeda de ouro

 

Todos os abortos

físicos e

cívicos

feitos por dinheiro

 

   Entre o milionário

   proletário

   e o proletário

   milionário

   o paradoxo

   monetário

 

Tempo é dinheiro

relógios lineares

portais esgalgos do minuto gótico

colunata barroca para um beijo à tardinha

sagas de Harlem onde os mortos perseguem luas conversíveis

trópico de Câncer

nibelungos máabaratas trenodias

elzevires incunábulos portulanos

baldrocas oratórias, especulações fálicas, açougues suaves, banqueiros

de fulva juba, monopólios da infância, endossos sexuais, numismáti-

cos aduncos, filhos de cachorras e notários, apólices dúbias, prostitui-

ções em exercício, fogueiras contratuais, dobrões litúrgicos, porcenta-

gens sobre lastros éticos, chinas traídas, fregueses de arábias, leiloeiros

de áfricas, tratos de areia, ataúdes hipotecados, traficantes eletrônicos,

títulos letais, marchantes carismáticos, corretores de repúblicas sul-

-americanas,  agiotas atômicos, corsários aeronáuticos, provedores de

angélicas, esposas sonantes,

OURO EM PÓ

OURO CRU

OURO CEGO

TEMPO É DINHEIRO

 

 

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— Colofão

Coordenação

Marcelo Ferraz (UFG/CNPq)

Nelson Martinelli Filho (IFES/UFES/CNPq)

Wilberth Salgueiro (UFES/CNPq)

Bolsistas de apoio técnico (FAPES)

Juliana Celestino

Valéria Goldner Anchesqui

Bolsistas de pós-doutorado (CNPq)

Camila Hespanhol Peruchi

Rafael Fava Belúzio

Pesquisadores/as vinculados/as

Abílio Pacheco de Souza (UNIFESSPA)

Ana Clara Magalhães (UnB)

Cleidson Frisso Braz (Doutorando UFES)

Cristiano Augusto da Silva (UESC)

Diana Junkes (UFSCar)

Fabíola Padilha (UFES)

Francielle Villaça (Mestranda UFES)

Henrique Marques Samyn (UERJ)

Marcelo Paiva de Souza (UFPR/CNPq)

Mariane Tavares (Pós-doutoranda UFES)

Patrícia Marcondes de Barros (UEL)

Susana Souto Silva (UFAL)

Weverson Dadalto (IFES)

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— Financiamento e realização

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