OS MENINOS CARREGADOS
Os meninos carregados
pelos braços dos algozes
deixam filamentos nos corredores;
marcas de sangue velho
misturam-se com os novos veios;
dores que vão ficando
em cada parte do caminho
diante dos que esperam
pela vez dos corpos
serem levados a confessar
os crimes do despertar
dos anos de aventura.
Os meninos nos giraus,
carregados pelas trevas,
levam as dores
pelos corpos em hematomas:
tíbias,
perônios,
clavículas,
traspassando a pele
que enfrenta a infâmia
de uma eternidade de dor
sob a ira dos tiranos
encapuzados que desferem
pancadas com paus e ferro
até à confissão de culpa
dos que são dependurados.
Depois, a mangueira d'água
nas narinas despejando
jatos que navegam as vias
respiratórias latejantes.
Em seguida, os choques elétricos
nas costelas,
nas orelhas,
no pênis:
220 Watts
de potência nas descargas.
Depois, os cassetetes
explodindo nas nádegas
em baques surdos ininterruptos:
dez.
vinte.
trinta vezes,
como num saco de pancadas.
Mais tarde, o chute nos testículos
como se fora uma bola
à frente do jogador
na cara do gol;
os alfinetes nas unhas
espetando os sabugos
até às extremidades
dos polegares,
indicadores,
anulares,
auriculares,
médios,
em sofrimento
e tremor.
Os meninos nos varais
são levados pelos pátios,
quando confessam os crimes
da voluntariedade dos anos,
arrancados de suas vidas
que nem mesmo os primeiros medos
viveram frente o espelho
das almas cristalinas
e já foram levados
aos ferros do suplício,
como quem mata os girassóis
nos dias quentes de outono.
Os meninos nos andaimes,
carregados na lembrança
de outros meninos que esperam
pelos dias de provação,
nem têm mais forças para gritar,
nem têm mais ânimo para viver,
nem têm mais coragem para resistir,
traspassados que estão
pelas dores infernais
neste tempo de injúria,
deixando-se em marcas
dos calcanhares pelos chãos
como quem arrasta um saco
de luas mortas
e perdidas.
Os meninos dependurados
em pavorosos varais
deixam o nome escrito
nas páginas da ignomínia…
Rio de Janeiro, 11.3.74