Os meninos carregados

Maciel de Aguiar

OS MENINOS CARREGADOS

 


Os meninos carregados
pelos braços dos algozes
deixam filamentos nos corredores; 

marcas de sangue velho
misturam-se com os novos veios;
dores que vão ficando
em cada parte do caminho 

diante dos que esperam 

pela vez dos corpos
serem levados a confessar 

os crimes do despertar 

dos anos de aventura.
Os meninos nos giraus, 

carregados pelas trevas, 

levam as dores
pelos corpos em hematomas:
tíbias,
perônios,
clavículas,
traspassando a pele
que enfrenta a infâmia 

de uma eternidade de dor 

sob a ira dos tiranos 

encapuzados que desferem 

pancadas com paus e ferro 

até à confissão de culpa 

dos que são dependurados. 

Depois, a mangueira d'água 

nas narinas despejando 

jatos que navegam as vias 

respiratórias latejantes.
Em seguida, os choques elétricos
nas costelas,
nas orelhas,
no pênis:
220 Watts
de potência nas descargas. 

Depois, os cassetetes
explodindo nas nádegas
em baques surdos ininterruptos:
dez.
vinte.
trinta vezes,
como num saco de pancadas. 

Mais tarde, o chute nos testículos 

como se fora uma bola
à frente do jogador 

na cara do gol;
os alfinetes nas unhas 

espetando os sabugos 

até às extremidades
dos polegares,
indicadores,
anulares,
auriculares,
médios,
em sofrimento
e tremor.
Os meninos nos varais
são levados pelos pátios, 

quando confessam os crimes

da voluntariedade dos anos, 

arrancados de suas vidas
que nem mesmo os primeiros medos 

viveram frente o espelho
das almas cristalinas
e já foram levados
aos ferros do suplício,
como quem mata os girassóis
nos dias quentes de outono. 

Os meninos nos andaimes, 

carregados na lembrança
de outros meninos que esperam
pelos dias de provação,
nem têm mais forças para gritar, 

nem têm mais ânimo para viver, 

nem têm mais coragem para resistir, 

traspassados que estão 

pelas dores infernais 

neste tempo de injúria,

deixando-se em marcas 

dos calcanhares pelos chãos
como quem arrasta um saco 

de luas mortas
e perdidas.
Os meninos dependurados 

em pavorosos varais 

deixam o nome escrito
nas páginas da ignomínia… 

                                    

 

                     Rio de Janeiro, 11.3.74

 

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