Os loucos que perambulam

Maciel de Aguiar

OS LOUCOS QUE PERAMBULAM

 

 

Muitos dos que perambulam

sem a lembrança do próprio nome,

falando com as paredes,

contando as pedras do caminho,

revirando as latas de lixo,

procurando sua história

na história de tanta gente,

são alguns dos que se perderam

pelas salas de suplício,

vítimas da humilhação.

Muitos dos que perambulam

catando o milho dos pombos,

sendo enxotados feito bicho,

apedrejados de vez em quando,

levados para o manicômio,

abandonados pelos parentes

que se envergonham das dores,

são alguns dos que tiveram

os brônquios obstruídos,

vítimas da embolia.

Muitos dos que perambulam

pelas ruas entre prostitutas

que lhes afagam as angústias,

cobrem-lhes de afeto

e carinho nas alcovas,

levam-lhes nos braços,

escondendo-os dos assassinos,

para que escrevam poemas,

são alguns dos que perderam

os testículos sob os chutes,

vítimas deste tempo de horror.

Muitos dos que perambulam

escondendo-se dos que farejam

as vidas com voracidade,

fugindo das algemas

e dos camburões na esquina,

a levarem aos quartéis

como quem volta ao inferno,

são alguns dos abandonados

na certeza de que já estavam mortos,

vítimas da fúria dos carrascos.

Muitos dos que perambulam

procurando pelos filhos

com uma fotografia nas mãos,

as roupas em desalinho,

o coração dilacerado,

o desespero nos olhos

eternamente em poças d’água,

são alguns dos que foram atemorizados

pela ameaça da morte,

que invadiu tantas almas.

Muitos dos que perambulam

querendo ensinar lições

aos que fogem assustados,

com medo de serem vistos,

tornando-se indesejáveis,

prontos a serem levados

de volta aos cárceres

como perigosos reincidentes,

com os livros como prova do crime,

são alguns dos que foram vistos

em passeata distribuindo poemas

contra este tempo de opressão.

Muitos dos que perambulam

pelas redações dos jornais,

querendo publicar o impublicável

diante dos olhos do censor

que corta os versos,

subtrai os pensamentos,

espalhando a nova ordem

como se fosse receita de bolo,

dando outra versão ao fato,

são alguns dos que perderam as unhas

vítimas da própria profissão.

Muitos dos que perambulam

enfrentando os mais perversos

métodos de extrair confissão

como quem desafia a própria morte,

resistindo ao pau-de-arara,

sobrevivendo ao choque,

respirando após o afogamento,

como quem não se intimida

com a barbárie praticada,

são alguns dos que já não possuem

o que temer dos carrascos,

vítimas do aniquilamento.

Muitos dos que perambulam

pelas cidades possuídas,

evacuando sangue,

tragados pela embolia,

são alguns dos que perderam os sentidos,

dos que foram supliciados,

dos que vivem atemorizados, 

que foram levados à loucura,

vítimas da obsessão

dos atrozes assassinos.

Muitos dos que perambulam

pela imensidão da Pátria

são alguns dos que já não se lembram

da própria história de vida...

 

 

                       Rio de Janeiro, 6.7.73

 

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Coordenação

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Nelson Martinelli Filho (IFES/UFES/CNPq)

Wilberth Salgueiro (UFES/CNPq)

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Valéria Goldner Anchesqui

Bolsistas de pós-doutorado (CNPq)

Camila Hespanhol Peruchi

Rafael Fava Belúzio

Pesquisadores/as vinculados/as

Abílio Pacheco de Souza (UNIFESSPA)

Ana Clara Magalhães (UnB)

Cleidson Frisso Braz (Doutorando UFES)

Cristiano Augusto da Silva (UESC)

Diana Junkes (UFSCar)

Fabíola Padilha (UFES)

Francielle Villaça (Mestranda UFES)

Henrique Marques Samyn (UERJ)

Marcelo Paiva de Souza (UFPR/CNPq)

Mariane Tavares (Pós-doutoranda UFES)

Patrícia Marcondes de Barros (UEL)

Susana Souto Silva (UFAL)

Weverson Dadalto (IFES)

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