III — O DESTINO
Batidas as portas.
Perdidas as chaves da sombra.
Esta é uma terra de crime.
Marco na parede o nome dos mortos
e morro no corpo de cada um
e revivo, cinza recomposta,
nos sonhos de cada um...
Lavo as feridas do tempo.
Recolho entre os dedos
a chuva, e com ela componho
um acalanto humilde
ao sono dos torturados.
E cada um é um só e todos,
é meu pai, meu irmão,
a noiva perdida, é meu próprio corpo
marcado de suplício.
E cada um é força. Semente.
E não há noite, por mais treva,
capaz de ceifar as flores,
sentinelas dos túmulos
provisoriamente ignorados...
Comentário do pesquisador
Pedro Tierra é pseudônimo de Hamilton Pereira da Silva. O poema "III - O destino" integra a seção “Os esperados”, parte do volume “Poemas do povo da noite”. Consta na página de abertura da seção: “Este poema é dedicado a todos os pais, todas as mães, filhas, esposas, órfãos que procuram, sem resposta, a vida ou a morte dos seus”. A dedicatória sugere que as partes seguintes compõem um único poema. Por outro lado, considerando-se o projeto gráfico do livro e o paralelismo com as demais seções, cada parte pode ser lida como um poema autônomo. Por isso, as partes foram aqui registradas separadamente, com o título geral da seção informado entre colchetes, seguido do título de cada poema particular. Na segunda edição do livro (coeditada pela Fundação Perseu Abramo e pela Publisher Brasil, em 2009), há um texto introdutório, intitulado “Explicação necessária”, em que Pedro Tierra (Hamilton Pereira da Silva) informa: “Os poemas aqui reunidos foram escritos durante os cinco anos de prisão – de 1972 a 1977 – e publicados em volumes separados: Poemas do povo da noite (Ed. Livramento, S. Paulo, 1979), Água de Rebelião (Ed. Vozes, Petrópolis, 1983)” (2009, p. 19). A edição de 2009, que reproduz “III - O destino” na página 89, informa que esse poema foi escrito em janeiro/fevereiro de 1975.