I — ABERTURA 1975
A porta dos palácios não se fechou.
Há pranto no país?
Mobilizai reservas de silêncio!
Da praça onde o último canto,
o último pranto resistem,
não fuja nada
além do gesto emudecido.
É imprescindível
manter o canto sitiado.
O eco do pranto não roube
o sabor do banquete.
O sangue dos rebelados não tinja
o verde-ouro das divisas,
e haja sombra suficiente
a envolver os alicerces do "milagre"...
Não chegue o ofício da morte
além do rigoroso limite da noite.
Não permita, contudo, à mão ferida
semear a surda semente de liberdade.
Comentário do pesquisador
Pedro Tierra é pseudônimo de Hamilton Pereira da Silva. O poema "I - Abertura 1975" integra a seção “Os esperados”, parte do volume “Poemas do povo da noite”. Consta na página de abertura da seção: “Este poema é dedicado a todos os pais, todas as mães, filhas, esposas, órfãos que procuram, sem resposta, a vida ou a morte dos seus”. A dedicatória sugere que as partes seguintes compõem um único poema. Por outro lado, considerando-se o projeto gráfico do livro e o paralelismo com as demais seções, cada parte pode ser lida como um poema autônomo. Por isso, as partes foram aqui registradas separadamente, com o título geral da seção informado entre colchetes, seguido do título de cada poema particular. Na segunda edição do livro (coeditada pela Fundação Perseu Abramo e pela Publisher Brasil, em 2009), há um texto introdutório, intitulado “Explicação necessária”, em que Pedro Tierra (Hamilton Pereira da Silva) informa: “Os poemas aqui reunidos foram escritos durante os cinco anos de prisão – de 1972 a 1977 – e publicados em volumes separados: Poemas do povo da noite (Ed. Livramento, S. Paulo, 1979), Água de Rebelião (Ed. Vozes, Petrópolis, 1983)” (2009, p. 19). A edição de 2009, que reproduz “I - Abertura 1975” na página 87, informa que esse poema foi escrito em janeiro/fevereiro de 1975.