OS CÃES INSANOS
Os esqueletos perambulam,
mostrando a brancura pálida
das tíbias tortas,
crânios afundados,
bacias perfuradas,
costelas fraturadas,
diante dos olhos do regime
que a todos observa
pelas praças de chagas
como irmãos siameses…
Os cães blindados mostram
as presas que trituram,
trituram,
trituram,
trituram
os sonhos dos venturosos
e farejam o rasto
dos mortos-vivos que se atrevem
a cruzar o meio-fio,
limite da vida
com a morte acidental.
Feras metade homem
lambem o sangue seco
nos lábios dos vencidos,
na ânsia de saciar
a sede com o plasma
que nutre os esvaídos.
Os esqueletos peregrinam,
peregrinam,
peregrinam,
peregrinam,
deixando cair pedaços
de suas carnes
sobre o asfalto,
enquanto os cães devoram
cada centímetro de matéria
deixado pelas ruas.
Moscas povoam os ares
em zumbido uníssono
reclamando alimento
misturado com areia
sob a sola dos coturnos.
Esqueletos fétidos deixam
bacias de vermes nos chãos
de cada lugar onde repousam,
enquanto o insano espera
para o banquete dos mortos.
Velhos mostram as feridas,
prostitutas possuídas
soletram nas alcovas
a desgraça em solidão.
Poetas cantam canções
frente os mendigos que se mijam
com medo do tempo de hoje,
que cai,
cai,
cai,
cai,
sobre os ombros alquebrados.
Jovens que nem ao menos
viveram os vinte anos
mostram as cicatrizes
no peito em desespero,
enquanto as alucinações corroem
o coração dos que sabem
que nunca mais passarão.
A multidão apodrecida
espera pela cova rasa
onde todos serão jogados
como animais acometidos
pela peste bubônica.
Cada um com sua chaga
mostra o tamanho da dor
que pulsa latejante
sobre os sonhos desferidos.
Os cães insanos da pátria
possuída pela tirania
lambem,
lambem,
lambem
as feridas dos meninos,
enquanto as secreções
escorrem pelos cantos
feito veios rubros
que nunca mais terão fim.
Os cães insanos se fartam
das carnes dos cidadãos do mundo:
—— Alimentem-se, miseráveis!...
—— Alimentem-se, assassinos!...
—— Alimentem-se, sanguinários!....
Rio de Janeiro, 7.11.71