Os cães insanos

Maciel de Aguiar

   OS CÃES INSANOS

 

 

Os esqueletos perambulam,

mostrando a brancura pálida

das tíbias tortas,

crânios afundados,

bacias perfuradas,

costelas fraturadas,

diante dos olhos do regime

que a todos observa

pelas praças de chagas

como irmãos siameses…

Os cães blindados mostram

as presas que trituram,

trituram,

trituram,

trituram

os sonhos dos venturosos

e farejam o rasto

dos mortos-vivos que se atrevem

a cruzar o meio-fio,

limite da vida

com a morte acidental.

Feras metade homem

lambem o sangue seco

nos lábios dos vencidos,

na ânsia de saciar

a sede com o plasma

que nutre os esvaídos.

Os esqueletos peregrinam,

peregrinam,

peregrinam,

peregrinam,

deixando cair pedaços

de suas carnes

sobre o asfalto,

enquanto os cães devoram

cada centímetro de matéria

deixado pelas ruas.

Moscas povoam os ares

em zumbido uníssono

reclamando alimento

misturado com areia

sob a sola dos coturnos.

Esqueletos fétidos deixam

bacias de vermes nos chãos

de cada lugar onde repousam,

enquanto o insano espera

para o banquete dos mortos.

Velhos mostram as feridas,

prostitutas possuídas

soletram nas alcovas

a desgraça em solidão.

Poetas cantam canções

frente os mendigos que se mijam

com medo do tempo de hoje, 

que cai,

cai,

cai,

cai,

sobre os ombros alquebrados.

Jovens que nem ao menos

viveram os vinte anos

mostram as cicatrizes

no peito em desespero,

enquanto as alucinações corroem

o coração dos que sabem

que nunca mais passarão.

A multidão apodrecida

espera pela cova rasa

onde todos serão jogados

como animais acometidos

pela peste bubônica.

Cada um com sua chaga

mostra o tamanho da dor

que pulsa latejante

sobre os sonhos desferidos.

Os cães insanos da pátria

possuída pela tirania

lambem,

lambem,

lambem

as feridas dos meninos,

enquanto as secreções

escorrem pelos cantos

feito veios rubros

que nunca mais terão fim.

Os cães insanos se fartam

das carnes dos cidadãos do mundo:

—— Alimentem-se, miseráveis!...

—— Alimentem-se, assassinos!...

—— Alimentem-se, sanguinários!....

 

 

Rio de Janeiro, 7.11.71

 

 

 

Você também pode se interessar por

— Colofão

Coordenação

Marcelo Ferraz (UFG/CNPq)

Nelson Martinelli Filho (IFES/UFES/CNPq)

Wilberth Salgueiro (UFES/CNPq)

Bolsistas de apoio técnico (FAPES)

Juliana Celestino

Valéria Goldner Anchesqui

Bolsistas de pós-doutorado (CNPq)

Camila Hespanhol Peruchi

Rafael Fava Belúzio

Pesquisadores/as vinculados/as

Abílio Pacheco de Souza (UNIFESSPA)

Ana Clara Magalhães (UnB)

Cleidson Frisso Braz (Doutorando UFES)

Cristiano Augusto da Silva (UESC)

Diana Junkes (UFSCar)

Fabíola Padilha (UFES)

Francielle Villaça (Mestranda UFES)

Henrique Marques Samyn (UERJ)

Marcelo Paiva de Souza (UFPR/CNPq)

Mariane Tavares (Pós-doutoranda UFES)

Patrícia Marcondes de Barros (UEL)

Susana Souto Silva (UFAL)

Weverson Dadalto (IFES)

Além dos nomes acima muitas outras pessoas colaboraram com o projeto. Para uma lista mais completa de agradecimentos, confira a página Sobre o projeto.

O MPAC é um projeto de caráter científico, educativo e cultural, sem fins lucrativos. É vedada a reprodução parcial ou integral dos conteúdos da página para objetivos comerciais. Caso algum titular ou representante legal dos direitos autorais de obras aqui reproduzidas desejem, por qualquer razão e em qualquer momento, excluir algum poema da página, pedimos que entrem em contato com a nossa equipe. A demanda será solucionada o mais rapidamente possível.

— Financiamento e realização

© 2025 Todos os direitos reservados