OS CADÁVERES
“Agir como se a morte não existisse
ou agir pensando na morte a cada
instante é, talvez, a mesma coisa…”
Nikos Kazantzákis
Os cadáveres andam de mãos dadas
pelos corredores sem fim…
Na ponta dos dedos descarnados,
os ossos fraturados de uns
caminham para o necrotério
onde os corpos sem vida
aguardam nos gavetões
pelos parentes em prantos…
Os cadáveres sem ambição
voam sobre os mares da Pátria…
Nas asas dos aviões da morte
voam as esperanças perdidas,
e os tubarões esperam
impacientes pelos afogados…
Os cadáveres suplicam
diante do carrasco…
Nas salas fétidas,
os torturadores açoitam os indefesos
para a satisfação dos necrófagos,
que esperam o momento da derradeira agonia
para saciar a fome mórbida…
Os cadáveres caminham
para os cemitérios clandestinos,
os campos de extermínio de hoje,
onde cavam sepulturas em covas rasas,
deitam-se no fundo
sob os pés dos executores,
onde não cabe pedido de clemência,
nem arrependimento,
nem choro de mãe,
nem súplica de padre,
nem apelo de noiva,
só o êxtase dos abutres
que sobrevoam os céus
à espreita dos mortos
pode devorar a todos
os olhos úmidos
e penitentes…
Os cadáveres caminham atônitos
pelas ruas da Pátria,
como os que tateiam a vida
diante da própria desgraça,
sob cassetetes
e algemas
espalhados em cada esquina,
para a impunidade oficial
e o surgimento de mais um caso
que nunca será esclarecido,
nunca será desvendado…
— Coitados!
— Coitados!
— Coitados!
Os cadáveres imploram
pelo caminho de volta,
o atestado de óbito...
Os cadáveres buscam
pelos tribunais omissos
a Justiça que se vende
por quaisquer trinta dinheiros,
beijando-lhes ainda a face.
Os cadáveres choram
lágrimas de silêncio
que escorrem pelos chãos
lavando em dor as tíbias
e os perônios fraturados.
Os cadáveres trazem no peito
a agonia infante,
as súplicas em vão;
são os esqueletos cambaleantes
que caminham desgovernados
pelas ruas,
pelas praças,
pelos becos,
perguntando-se nos ouvidos:
— De quem são estes ossos?
— De quem são estes ossos?
— De quem são estes ossos?
Os cadáveres rastejam ofegantes
pelos labirintos da pátria,
na busca do direito à sepultura.
— Até quando?
— Até quando?
— Até quando?
Rio de Janeiro, 10.9.71