OLEOGRAVURA DA SALA DE TORTURA
Na escuridão da pálpebra,
os olhos dos condenados
desenham geometrias planas,
enquanto os pesadelos descem
ao inferno arrastando
os corpos disformes.
Matérias se diluem
nos labirintos de espelhos,
enquanto os pássaros assustados
se aquietam na escuridão,
com os dorsos corroídos.
No espaço dos sonhos,
um arco-íris opaco
bebe a seiva dos lábios
dos mortos sem sepultura.
Ali não há luz
que penetre o coração
dos impiedosos assassinos,
para que tenham piedade
de todos os esvaídos.
Os antepassados não sabiam
do atavismo dos descendentes
em aniquilar tantas vidas
com tamanha crueldade.
Nas ruas da cidade,
os que conversam com os cadáveres
passeiam sem saber
o que se passa do outro lado
da parede intransponível...
Cães vadios farejam
as latas de lixo deixadas
à procura de alimento.
Prostitutas dançam
sobre a sombra dos corpos
que se dão nas alcovas.
Mães ainda acalentam
os filhos antes que cresçam
e se percam no mundo
levados pelo sentimento
da procura angustiada.
Meninos oferecem a carne
para a circuncisão do sexo.
Bocas mastigam o alimento
no exercício cotidiano,
mas na sala do suplício
ninguém comenta a desgraça.
Todos são parecidos,
todos são iguais,
todos padecem do infortúnio,
amontoados uns sobre os outros,
esperando pela hora
de ofertar os corpos
aos torturadores insanos.
Um terror ronda
aquelas almas de vertigem...
Pesadelos de pálidas mulheres,
vestidas de breu,
trazem velas acesas
e formam uma procissão
de fantasmas corcundas
ante à imobilidade,
oferecendo o líquido de um cálice
a todos os que têm sede:
— Não vos alimentaremos com nossos corpos...
— Não nos façam vomitar as entranhas...
— Não nos matem antes da morte...,
enquanto a cidade se aquieta
frente à agonia da dor
dos que enfrentam o destino.
A noite passa,
o dia passa,
a hora passa,
o mês acaba,
o ano recomeça
no sofrimento da sala,
e nem ao menos um pé de cacto
brota do sangue seco.
— Vida de tormento,
vida de lava de fogo,
vida de pó de crânio
sobre o peito de melancolia...
Os corpos em delírio
suplicam aos céus
pela morte súbita
e indolor
a pôr fim ao padecimento
e ao açoite da carne:
— Queremos um tiro na cabeça...
— Queremos uma carga de dinamite...
— Queremos a explosão de um milhão
de toneladas de trinitrotolueno...
Mas a escuridão das pálpebras
cobre a todos com pesadelos,
e os demônios dos quintos arrastam
os corpos ceifados de uns
para o caldeirão de chumbo.
Os carrascos palitam os dentes
depois de saciar os instintos;
corpos açoitados nus,
gosma do ventre dos sediciosos,
tatuagens de mãos em sangue
cobrem as paredes deixando
uma oleogravura de tumba
e pavor eternos.
Rio de Janeiro, 22.8.73