O tempo me leva
como um navio, meus amigos.
Perdi esquinas, ganhei horizontes
parciais. Vejo pedaços de porto,
volto a cair em bueiros. Vou
aprendendo.
O tempo perguntou pro tempo
quanto tempo o tempo tem.
Nos jornais atrasados
vou aprendendo.
Troquei de pele neste verão.
Quantas vezes a gripe
fez ninho no meu peito?
Escuto o que dizem todos.
Vou aprendendo. Duvido
portanto ainda estou vivo.
O tempo perguntou pro tempo
quanto tempo o tempo tem.
Desenhei e apaguei
a utopia. Não enxergo (mas virá) a
Cidade Dos Novos Séculos. Hoje vejo, apenas,
a tarefa de amanhã cedo.
Na escola o menino com garfo torto
raspa o prato da merenda
e cobiça o caldeirão
com fome de séculos.
Atenção.
O tempo perguntou pro tempo
quanto tempo o tempo tem.
Antes do terremoto os gatos
abandonam a casa — cachorros
no vento tremem mandíbulas
— os pássaros nas gaiolas
quebram pânicas asas — e saem
as ratazanas para a luz.
Antes da tempestade os velhos
apalpam chuva nos ossos,
estúpida luz nos olhos
das cabras e dos cavalos,
cargas de energia louca
nos papagaios e antenas,
a madeira trescala
um prévio cheiro de mofo.
Hoje, antes de amanhã,
enquanto a luz em ângulos
trinca as carcaças da noite,
os covardes endoidecem
e os loucos piscam lúcidos,
os delatores florescem
com línguas e dedos pútridos
e o povo, eterno, morre.
O tempo respondeu pro tempo
que o tempo tem tanto tempo
quanto tempo o tempo tem.
O leite nos cordeiros
amadurece sofrendo
e vira sangue de lobo.
Atenção. O tempo
é uma fruta, uma pedra
um tijolo na mão.