O sangue dos heróis

Maciel de Aguiar

O SANGUE DOS HERÓIS

 

À memória de Mário Alves de Souza Vieira,

assassinado pelo I Exército-RJ.

 

 

O sangue dos heróis

inunda a terra dos ancestrais,

fertilizando a esperança,

vermelho arado sob os coturnos

dos tiranos encapuzados.

O sangue dos antepassados

escorre pelas beiradas do mundo,

enquanto os pais ensinam

aos filhos o ofício da vida:

—— Nascer,

   viver,

   amar,

   como a pomba que resiste,

   como a primavera nos jardins...

O sangue dos heróis

desce ao inferno das salas,

grito vazando a carne,

vermelho salpicando as grades,

mãos postas nas paredes

aos olhos extasiados,

embriagando-se com o vinho

da morte angustiada,

que sacia os sanguinários.

O sangue dos mártires

inunda os esgotos da pátria,

os ratos famintos devoram

as vísceras dos condenados,

olhos,

unhas,

dentes,

triturados sem vestígios

da impunidade do regime.

O sangue dos inertes

umedece o chão dos mortos

pela Ordem da caserna

sobre a cabeça dos homens,

sobre o corpo dos infantes,

sobre o tempo de horror.

As mães aflitas procuram,

procuram,

procuram,

procuram

por notícias dos filhos,

centenas de mães em prantos

apelam ao padre,

que reza a Marcha da Família

em solidariedade ao poder,

em obediência aos ditadores,

em subserviência aos tiranos,

enquanto as cabeças rolam,

rolam,

rolam,

rolam

pelo desfiladeiro levando

a vida dos que dizem:

—— NÃO...

—— NÃO...

—— NÃO...

Os pais ainda encontram

força para acreditar

na vida sob os escombros,

mas ninguém sabe,

ninguém ouve, 

ninguém vê.

A mãe é possuída

pelo infortúnio da dor

enquanto por uma Lei

administra a felicidade,

que sai da boca dos que passam

despercebidos deste tempo.

—— Oh! Cega impunidade

   que se chama Brasil,

   por onde andam seus filhos,

   por onde andam seus homens,

   por onde andam os que vão viver

   um novo amanhã a contar

   esta História a seus filhos?

A mãe é acometida

pela aflição eterna,

mas ninguém sabe,

ninguém ouve,

ninguém vê,

além do que é permitido:

todos estão surdos,

todos estão cegos,

todos estão mudos.

Repousam nos quartéis

a cólera,

e a antropofagia

enquanto o sangue dos heróis

fertiliza o amanhã.

 

  Ponte Nova/MG, 15.6.70

 

 

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