O SANGUE DO RIO
Vesti a água de escura de meu povo.
Comi a lama negra dos esgotos.
Fui leito de suicidas
e assassinados.
Fui Rio da Guarda: cemitério de mendigos.
Recebi no corpo o vômito das indústrias,
os andrajos da vida,
bagaço de esperanças acorrentadas
ao ritmo seco das máquinas.
Tornado lama, abri meu caminho
nos olhos de uma cidade amarga.
Transitei pelo avesso dos jardins,
o avesso da paisagem publicada.
Leito de assassinados,
levo meus passos agora
ao dia de me encontrar,
como o rio que conduz
muitos outros no seu corpo
pra hora certa com o mar...
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Comentário do pesquisador
Pedro Tierra é pseudônimo de Hamilton Pereira da Silva. O poema "O sangue do rio" integra a seção “Pavilhão cinco”, parte do volume “Poemas do povo da noite”. Na segunda edição desse livro (coeditada pela Fundação Perseu Abramo e pela Publisher Brasil, em 2009), há um texto introdutório intitulado “Explicação necessária”. Nessa introdução, Pedro Tierra (Hamilton Pereira da Silva) informa: “Os poemas aqui reunidos foram escritos durante os cinco anos de prisão – de 1972 a 1977 – e publicados em volumes separados: Poemas do povo da noite (Ed. Livramento, S. Paulo, 1979), Água de Rebelião (Ed. Vozes, Petrópolis, 1983)” (2009, p. 19). A edição de 2009, que reproduz “O sangue do rio” na página 94, informa que esse poema foi escrito em 1975.