O POBRE NO SUPERMERCADO
Que belo o Supermercado!
Que sonho azul e dourado!
Que vergel de luz e cores!
Que paraíso de amores!
As sopas nas lindas latas
não são sopas, são sonatas!
Este blues por telefone
dá mais charme ao minestrone!
(O pobre só compra sopa
quando lhe dá uma louca!)
Tem o mistério das grutas
a polpa agreste das frutas!
Nossa cultura cristã
deu saída na maçã!
O figo é feito de amor,
de luz, de folha, de flor!
(O pobre come condêssa
quando acerta na cabeça!)
Como uma série de beijos
fermentados são os queijos!
O camembert é um mundo
violento mas profundo!
Limburgo, reno, emmental,
sardo, gruyère, nacional!
(O pobre andando na linha
come feijão com farinha!)
Fulgem os frascos franzidos
dos licores coloridos!
Ó marasquino divino,
ó divino marasquino!
No vinho vai um memento
já do Velho Testamento!
(Quando o pobre perde a graça
manda brasa na cachaça!)
Que concreta tessitura
veste o verde da verdura!
Rabanetes rechonchudos
com repolhos repolhudos!
Com tomates rubicundos
enxangues nabos jocundos!
Se há Van Gogh na batata
Cézanne em couve arrebata!
Se não torce pequenino
dá Picasso no pepino!
(O pobre sem cão nem gato
caça abóbora no mato).
Carne fraca como a rosa
de Malherbe mas gostosa!
O céu da bôca se estrela
na ternura da vitela!
Mil orelhas salgadinhas,
rabos, perus e galinhas!
O rabo do porco é nada,
mas vá fazer feijoada!
Das essências animais
se faz a fé dos frescais!
Desenrolada na rua,
a lingüiça iria à Lua!
Do patê ao salaminho
bebe-se um longo caminho!
(Ninguém na lata de lixo
achou salsicha ou chouriço!)
Os temperos são pecados
dos timbres mais variados!
(O pobre toca trombeta
com pimenta-malagueta)
De jasmins é feito o lado
tão alado do linguado!
Lado a lado do linguado
o gamado namorado!
Longe do peixe mais lírico
jaz o bacalhau satírico!
Com que fio entreluzido
é o badejo tecido!
Tem cherne para peixada,
tem lagostim para nada!
Scomber scombrus (sardinha),
corvina, atum e tainha!
(Quando pode com vinagre
o pobre deglute bagre!)
Os olhos do polvo têm
como os do povo desdém!
A julgar por seu olhar
nunca leu Homens do Mar!
A lagosta com seu ar
da rascante flor lunar!
(O pobre leva rabalo
quando acerta no cavalo!)
Como é doce, doce, doce
a prateleira de Doces!
O banquete se respalda
com as ameixas em calda!
Que celestiais colméias
zumbem no mel das geléias!
(O pobre quando fatura
defende na rapadura!)
Que paraíso de amores!
Que vergel de luz e cores!
Que sonho azul e dourado!
Que belo o Supermercado!
What a wonderful Supermarket!
exclama o pobre (tarado)!
What a wonderful Super Super
Super Super Supermarket!
(O pobre quando não come
castiga inglês mas de fome!)
(Coro, cívico, replica):
— IN BRAZIL... NÃO HÁ MAIS FOME!!!
(Coro, tímido, treplica):
— HÁ... SÓ... GENTE... QUE... NÃO... COME...
Comentário do pesquisador
Poema originalmente publicado no jornal Manchete a 29 de agosto de 1964 e coligido em "O colunista do morro" (1965).