O MIMEÓGRAFO CONTRA AS BALAS
As armas nas mãos dos soldados
cospem balas assassinas
sobre os corpos indefesos.
Meninos correm assustados,
velhos escondem-se com medo,
pais procuram os filhos
diante da populaça
e da poça de sangue
estagnada sobre a calçada.
A multidão enfrenta a ira,
levando os mortos em passeata,
pelas ruas, como um sudário:
– Miseráveis assassinos!…
– Miseráveis assassinos!…
– Miseráveis assassinos!…,
gritam as bocas em desespero
frente o pelotão de fuzilamento
pronto a apertar o gatilho,
desferir nova matança.
– A vida nada vale…
– A vida nada significa…
– A vida nada representa…,
falam os que a extirpam
como a um tumor maligno,
um cisto impregnado,
um mal a ser aniquilado.
A multidão em fúria
carrega os mortos de hoje
pelas ruas,
pelas praças,
pelas avenidas,
em procissão contrita,
por uma eternidade de anos
que ninguém sabe se um dia
irá chegar ao fim.
– Poderia ser seu filho!…
– Poderia ser seu filho!…
– Poderia ser seu filho!…,
gritam alguns com a força
incontida dos pulmões,
sem se importar com as balas
desferidas contra o peito…
À noite, quando é possível,
retiro do sótão infestado
aquele mimeógrafo clandestino.
Imprimo poemas ao álcool,
jogo-os ao vendo da procela.
Nem é preciso que saibam
quem é o poeta errante,
desses que ninguém publica,
ninguém recita,
que nunca são encontrados
nas prateleiras das livrarias.
Na noite em trevas,
as mãos trabalham em silêncio
na transformação das palavras
em balas de poesia,
que serão disparadas
contra o peito dos assassinos,
estilhaçando em versos
que denunciam o horror
deste tempo de morrer,
em que as bocas aflitas
se falam nos ouvidos,
mexendo apenas os cantos
dos lábios entreabertos.
As palavras viajam
nos céus de chumbo ao encontro
dos que as espreitam nas esquinas,
com a tinta fresca denunciando
em cada canto de rua
o mimeógrafo nas mãos
do poeta panfletário,
que faz todo um pelotão
de fuzilamento recuar
com medo da poesia,
que vem pelos ares
em versos dilacerantes,
que cortam com igual violência
a carne dos vencedores:
palavras navegando o sangue,
entrando pelos olhos,
explodindo no coração.
Penso que tudo é um sonho…
À noite, as mãos trabalham
em silêncio a enfrentar
com a glória ilusória
a máquina letal do regime
que procura as nossas vidas
– Vá, poeta que sonha,
mande versos inúteis
contra o peito dos assassinos
enquanto o seu dia não chega…
Penso, agora, que tudo é inverossímil…
O mimeógrafo no sótão,
escondido do tempo,
enfrenta a artilharia
do pelotão de fuzilamento,
pronto para disparar
as balas assassinas
ao peito dos infantes.
– Resistir…
– Resistir…
– Resistir…
Somente a poesia é capaz desta aventura.
Rio de Janeiro. 11.6.74