O mimeógrafo contra as balas

Maciel de Aguiar

O MIMEÓGRAFO CONTRA AS BALAS

 

 

As armas nas mãos dos soldados

cospem balas assassinas

sobre os corpos indefesos.

Meninos correm assustados,

velhos escondem-se com medo,

pais procuram os filhos

diante da populaça

e da poça de sangue

estagnada sobre a calçada.

A multidão enfrenta a ira,

levando os mortos em passeata,

pelas ruas, como um sudário:

Miseráveis assassinos!… 

Miseráveis assassinos!… 

Miseráveis assassinos!…,

gritam as bocas em desespero

frente o pelotão de fuzilamento

pronto a apertar o gatilho,

desferir nova matança.

A vida nada vale… 

A vida nada significa… 

A vida nada representa…,

falam os que a extirpam

como a um tumor maligno,

um cisto impregnado,

um mal a ser aniquilado.

A multidão em fúria

carrega os mortos de hoje

pelas ruas,

pelas praças,

pelas avenidas,

em procissão contrita,

por uma eternidade de anos

que ninguém sabe se um dia

irá chegar ao fim.

Poderia ser seu filho!…

Poderia ser seu filho!… 

Poderia ser seu filho!…,

gritam alguns com a força 

incontida dos pulmões, 

sem se importar com as balas 

desferidas contra o peito…

À noite, quando é possível, 

retiro do sótão infestado 

aquele mimeógrafo clandestino. 

Imprimo poemas ao álcool, 

jogo-os ao vendo da procela.

Nem é preciso que saibam

quem é o poeta errante,

desses que ninguém publica,

ninguém recita,

que nunca são encontrados

nas prateleiras das livrarias.

Na noite em trevas,

as mãos trabalham em silêncio

na transformação das palavras

em balas de poesia,

que serão disparadas

contra o peito dos assassinos,

estilhaçando em versos

que denunciam o horror

deste tempo de morrer,

em que as bocas aflitas

se falam nos ouvidos,

mexendo apenas os cantos

dos lábios entreabertos.

As palavras viajam

nos céus de chumbo ao encontro

dos que as espreitam nas esquinas,

com a tinta fresca denunciando

em cada canto de rua

o mimeógrafo nas mãos 

do poeta panfletário, 

que faz todo um pelotão 

de fuzilamento recuar 

com medo da poesia, 

que vem pelos ares

em versos dilacerantes,
que cortam com igual violência 

a carne dos vencedores:
palavras navegando o sangue, 

entrando pelos olhos,
explodindo no coração.
Penso que tudo é um sonho… 

À noite, as mãos trabalham 

em silêncio a enfrentar
com a glória ilusória
a máquina letal do regime
que procura as nossas vidas

Vá, poeta que sonha,

  mande versos inúteis
  contra o peito dos assassinos 

  enquanto o seu dia não chega… 

Penso, agora, que tudo é inverossímil… 

O mimeógrafo no sótão,
escondido do tempo,
enfrenta a artilharia
do pelotão de fuzilamento,
pronto para disparar
as balas assassinas
ao peito dos infantes. 

Resistir…

Resistir…

Resistir…
Somente a poesia é capaz desta aventura.

 

 

                     Rio de Janeiro. 11.6.74

 

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