O MEDO ATRÁS DA PORTA
No quarto de pensão, o medo
apodera-se do corpo.
Poemas escondidos
dentro do colchão
aquecem as ilusões perdidas.
Estou sozinho na noite
em trevas com meus vinte anos
sobre as pernas bambas.
Escrevo declarações de amor
à Pátria que me deu o direito
de nascer-viver-amar
e me tranca na escuridão.
Dona Odete,
no longe da cidadezinha,
a esta hora deve estar sonhando.
Amanhã me escreve cartas,
eu as respondo sem o nome no remetente.
Só assim continuamos acreditando
que estou vivo.
Nos corredores da pensão,
ouço passos dos federais
enquanto nos pensamentos em pânico
correntes são arrastadas,
gritos de pavor são ouvidos
e a cidade indiferente dorme.
Deitado sobre confissões,
me cubro com sete cobertores,
esperando pela hora finda
em que serei levado
a conversar com o cadáver.
Mas a noite passa lenta
e ameaçadora
pela pensão do Catete.
No dia seguinte, leio as manchetes permitidas
nas páginas censuradas dos jornais.
Sinto um frio na espinha.
Alguém foi encontrado em meu lugar.
Queimaram as suas faces
pelo hediondo crime
de entrar em livraria.
Penso em meus poemas
escondidos no colchão:
— Esta noite não escaparei...
Coloco mais um trinco na porta,
compro mais um cobertor,
respondo a mais uma carta
e escrevo mais um poema
para justificar o nome
na Lista dos Desaparecidos.
A noite seguinte sempre vem
com mil demônios esperados...
Correntes sobem as escadas,
gritos de dor nos ouvidos,
perco todas as calorias
sem saber se ainda vivo.
Na manhã, leio novas notícias
dos que foram encontrados
em meu lugar, como de costume.
Só assim também acredito
que consegui ganhar
mais uma sobrevida
nesta Cidade Maravilhosa
de São Sebastião guerreiro,
que me emprestou o nome
e me mantém por inteiro.
— Até quando, meu santo,
até quando?
Rio de Janeiro, 3.5.72