O LAGARTO MEDROSO
O lagarto parece uma folha
verde e amarela.
E reside entre as folhas, o tanque
e a escada de pedra.
De repente sai da folhagem,
depressa, depressa,
olha o sol, mira as nuvens e corre
por cima da pedra.
Bebe o sol, bebe o dia parado,
sua forma tão quieta,
não se sabe se é bicho, se é folha
caída na pedra.
Quando alguém se aproxima,
—— oh! que sombra é aquela? ——
o lagarto logo se esconde
entre as folhas e a pedra.
Mas, no abrigo, levanta a cabeça
assustada e esperta:
que gigantes são esses que passam
pela escada de pedra?
Assim vive, cheio de medo,
intimidado e alerta,
o lagarto (de que todos gostam),
entre as folhas, o tanque e a pedra.
Cuidadoso e curioso,
o lagarto observa.
E não vê que os gigantes sorriem
para ele, da pedra.
Comentário do pesquisador
Cecília Meireles faleceu em 1964, o ano do Golpe Militar e o ano de publicação do livro infantil "Ou isto ou aquilo". Nesta obra poética de versos breves e estrofes curtas, gera estranhamento o poema "O Lagarto Medroso", monoestrófico. O texto traz um lagarto que parece uma folha "verde e amarela", cores da bandeira do Brasil. E entre as folhas há um "tanque", substantivo que remete a um reservatório de água, aproximando do campo semântico das folhas e do lagarto, mas também remete a um carro de guerra, muito associado ao militarismo, campo semântico que lembra o verde amarelo mencionado. Além disso, há gigantes que passam (que marcham?) e causam susto no pequeno animal. Portanto, em 1964, o lagarto vive cheio de medo, "intimidado e alerta", estando próximo dele o tanque.