O inferno, o purgatório e o paraíso

Patativa do Assaré

                O INFERNO,

         O PURGATÓRIO E O PARAÍSO

 

Pela estrada da vida nós seguimos,

Cada qual procurando melhorar,

Tudo aquilo, que vemos e que ouvimos,

Desejamos, na mente, interpretar,

Pois nós todos na terra possuímos

O sagrado direito de pensar,

Neste mundo de Deus, olho e diviso

O Purgatório, o Inferno e o Paraíso.

 

Este Inferno, que temos bem visível

E repleto de cenas de ternura,

Onde nota-se o drama triste e horrível

De lamentos e gritos de loucura

E onde muitos estão no mesmo nível

De indigência, desgraça e desventura,

É onde vive sofrendo a classe pobre

Sem conforto, sem pão, sem lar, sem cobre.

 

É o abismo do povo sofredor,

Onde nunca tem certo o dormitório,

É sujeito e explorado com rigor

Pela feia trapaça do finório

É o Inferno, em plano inferior,

Mas acima é que fica o Purgatório,

Que apresenta também sua comédia

E é ali onde vive a classe média.

 

Este ponto também tem padecer,

Porém seus habitantes é preciso

Simularem semblantes de prazer,

Transformando a desdita num sorriso.

E agora, meu leitor, nós vamos ver,

Mais além, o bonito Paraíso,

Que progride, floresce e frutifica,

Onde vive gozando a classe rica.

 

Este é o Éden dos donos do poder,

Onde reina a coroa da potência.

O Purgatório ali tem que render

Homenagem, Triunfo e Obediência.

Vai o Inferno também oferecer

Seu imposto tirado da indigência,

Pois, no mastro tremula, a todo instante,

A bandeira da classe dominante.

 

É o Inferno o teatro do agregado

E de todos que vivem na pobreza,

Do faminto, do cego e do aleijado,

Que não acham abrigo nem defesa

E é também causador do triste fado

Da donzela repleta de beleza

Que, devido à cruel necessidade,

Vende as flores de sua virgindade.

 

Que tristeza, que mágoa, que desgosto

Sente a pobre mendiga pela rua!

O retrato da dor no próprio rosto,

Como é dura e cruel a sorte sua!

Com o corpo mirrado e mal composto,

A coitada chorosa continua

A pedir, pelas praças da cidade:

«Uma esmola, senhor, por piedade!»

 

Para que outro estado mais precário

Do que a vida cansada do roceiro?

Sem gozar do direito do salário,

Trabalhando na roça o dia inteiro,

Nunca pode ganhar o necessário,

Vive sempre sem roupa e sem dinheiro,

E, se o inverno não vem molhar o chão,

Vai expulso da roça do patrão.

 

Como é triste viver sem possuir

Uma faixa de terra para morar

E um casebre, no qual possa dormir

E dizer satisfeito: «Este é meu lar».

Ninguém pode, por certo, resistir

Tal desgraça na vida sem chorar.

Se é que existe inferno no outro mundo

Com certeza, o de lá é o segundo!

 

Veja bem, meu leitor, que quadro triste,

Este inferno que temos nesta vida,

O sofrimento atroz dele consiste

Em viver sem apoio e sem guarida.

Minha lira sensível não resiste

Descrever tanta coisa dolorida

Com as rimas do mesmo repertório,

Quero um pouco falar do Purgatório.

 

Purgatório da falsa hipocrisia,

Onde vemos um rosto prazenteiro

Ocultando uma dor que o excrucia

E onde vemos também um cavalheiro

Usar terno de linda fantasia,

Com o bolso vazio de dinheiro:

Pra poder trajar bem, até se obriga

Dar, com jeito, uma prega na barriga.

 

Purgatório infeliz do desgraçado,

Que trabalha e faz tudo o que é preciso

No comércio, lutando com cuidado,

Com desejo de entrar no Paraíso,

Porém, quando termina derrotado,

Fracassado, com grande prejuízo,

Desespera, enlouquece, perde a bola

E no ouvido dispara uma pistola.

 

Ali vemos um gesto alegre e lindo

Disfarçando uma dor, uma aflição,

Afirmando gozar prazer infindo

De esperança, de sonho e de ilusão.

Mas, enquanto estes lábios vão sorrindo,

Vai chorando, no peito, o coração.

É um mundo repleto de amarguras,

Com bastante aparência de venturas.

 

Veja agora, leitor, que diferença

Encontramos no lindo Paraíso:

O habitante não fala de sentença

Tudo é paz, alegria, graça e riso.

Tem remédio e conforto, na doença

E, se a morte lhe surge, de improviso,

Quando morre inda deixa por memória

Uma lousa, contando a sua glória.

 

Neste reino, que cresce e que vigora,

Vive a classe feliz e respeitada,

Tem tudo o que quer, a toda hora,

Pois do belo e do bom não falta nada,

Tem estrela brilhante e linda aurora,

Borboletas azuis, contos de fada

E, se quer gozar mais a vida sua,

Vai uns dias passar dentro da lua.

 

O Paraíso é o ponto culminante

De riqueza, grandeza e majestade,

Ali o homem desfruta ouro e brilhante,

Vive em plena harmonia e liberdade,

Tem sossego, conforto e tem amante,

Tudo quanto há de bom tem à vontade

E a mulher, que possui corpo de elástico,

Para não ficar velha, vai ao plástico.

 

Já mostrei, meu leitor, com realeza,

Pobres, médios e ricos potentados,

Na linguagem sem arte e sem riqueza.

Não são versos com ouro burilados,

São singelos, são simples, sem beleza,

Mas, nos mesmos eu deixo retratados,

Com certeza, verdade e muito siso,

O Purgatório, o Inferno e o Paraíso.

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— Colofão

Coordenação

Marcelo Ferraz (UFG/CNPq)

Nelson Martinelli Filho (IFES/UFES/CNPq)

Wilberth Salgueiro (UFES/CNPq)

Bolsistas de apoio técnico (FAPES)

Juliana Celestino

Valéria Goldner Anchesqui

Bolsistas de pós-doutorado (CNPq)

Camila Hespanhol Peruchi

Rafael Fava Belúzio

Pesquisadores/as vinculados/as

Abílio Pacheco de Souza (UNIFESSPA)

Ana Clara Magalhães (UnB)

Cleidson Frisso Braz (Doutorando UFES)

Cristiano Augusto da Silva (UESC)

Diana Junkes (UFSCar)

Fabíola Padilha (UFES)

Francielle Villaça (Mestranda UFES)

Henrique Marques Samyn (UERJ)

Marcelo Paiva de Souza (UFPR/CNPq)

Mariane Tavares (Pós-doutoranda UFES)

Patrícia Marcondes de Barros (UEL)

Susana Souto Silva (UFAL)

Weverson Dadalto (IFES)

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