O HOMEM DIANTE DO CARRASCO
À memória de Domingos José Martins,
herói da luta pela Liberdade.
O homem em sua pátria,
diante do carrasco,
conversa com o próprio cadáver,
come os excrementos,
bebe a urina,
vomita as entranhas,
oferece o sabugo,
pendura-se no pau-de-arara,
ajoelha em ponta de faca,
sangra por todos os poros,
aceita a tragédia,
mas não confessa os crimes
da consciência despertada.
O homem em sua pátria,
diante do carrasco,
enjaulado feito animal,
abandonado por todos os deuses,
ignorado pela Justiça,
aniquilado pelo medo,
condenado pela infâmia,
aviltado pela prepotência,
amordaçado pela censura,
violentado pela tortura,
assina uma sentença,
mas não renuncia à sua causa.
O homem em sua pátria,
diante do carrasco,
grita com todas as forças,
resiste com todos os músculos,
sobe pelas paredes,
alimenta-se de percevejos,
chora lágrimas de sangue,
pensa que ainda está vivo,
cheira fumaça de óleo diesel,
escreve poemas panfletários,
procura o atestado,
implora por uma luz,
cobre-se com sete cobertores,
admite a desgraça,
mas não se converte à tirania.
O homem em sua pátria,
diante do carrasco,
reconhece o martírio,
compreende o destino,
deixa o rasto de sangue,
marca um tempo de dor,
grita para dentro do peito,
cumpre sua pena,
escreve sua história,
está pronto para cavar
sua sepultura como uma sentença,
mas jamais ficará de braços
cruzados e omissos
diante da repressão,
que passeia a força
sobre todos os indefesos,
jamais se aceitará
um fantoche que faz de conta
que nada sabe,
nada ouve,
nada vê.
O homem em sua pátria,
diante do carrasco,
rasga as cartas sem remetente,
tem medo de atravessar a rua,
espera sempre a voz de prisão,
esconde-se pelos esconsos,
alimenta-se de uma força invisível,
lava os olhos com as próprias lágrimas,
empresta o nome para a Lista
dos Mortos sem sepultura,
atenta contra a própria vida,
de acreditar no sonho.
O homem em sua pátria,
diante do carrasco,
encontra a aflição,
registra seu tempo,
crava sua sina,
enfrenta os demônios,
suporta o martírio,
carrega uma cruz
como há quase dois mil anos,
mas jamais deixará
apagar no peito o sopro
que se chama Liberdade,
e que haverá de vir
sobre todos os infortúnios.
O homem que ama a sua pátria,
diante do carrasco,
escreve canções em desespero
a todos
e ninguém...
Rio de Janeiro, 11.9.71