II. O HOMEM DE LATA
A Paulino de Souza
O homem de lata
arboriza por dois buracos
no rosto
O homem de lata
é armado de pregos
e tem natureza de enguia
O homem de lata
está na boca de espera
de enferrujar
O homem de lata
se relva nos cantos
e morre de não ter um pássaro
em seus joelhos
O homem de lata
traz para a terra
o que seu avô
era de lagarto
o que sua mãe
era de pedra
e o que sua casa
estava debaixo de uma pedra
O homem de lata
é uma condição de lata
e morre de lata
O homem de lata
tem beirais de rosa
e está todo remendado de sol
O homem de lata
mora dentro de uma pedra
e é o exemplo de alguma coisa
que não move uma palha
O homem de lata
é um iniciado em abrolhos
e usa desvio de pássaro
nos olhos
No homem de lata
amurou-se uma lesma
fria
que incide em luar
Para ouvir o sussurro
do mar
o homem de lata
se inscreve no mar
O homem de lata
se devora de pedra
e de árvore
O homem de lata
é um passarinho
de viseira:
não gorjeia
Caído na beira
do mar
é um tronco rugoso
e cria limo
na boca
O homem de lata
sofre de cactos
no quarto
O homem de lata
se alga
no Parque
O homem de lata
foi atacado de ter folhas
e se arrasta
em seus ruídos de relva
A rã prega sua boca
irrigada
no homem de lata
O homem de lata
infringe a lata
para poder colear
e ser viscoso
O homem de lata
empedra em si mesmo
o caramujo
O homem de lata
anda fardado de camaleão
O homem de lata
se faz um corte
na boca
para escorrer
todo o silêncio dele
O homem de lata
está a fim
de árvore
O homem de lata
é um caso
de lagartixa
O homem de lata
é resto anuroso
de pessoa
O homem de lata
está todo estragado
de borboleta
O homem de lata
foi marcado a ferro e fogo
pela água.
Comentário do pesquisador
Neste poema, o eu poético comunica a condição humana por meio da metáfora “homem de lata”. Esse tipo de metal, entre os demais, como o “chumbo”, é delgado/sensível. Vive o humano, pois, a condição de ser tal metal. A esse estado se liga o que pode haver de bom e o que pode de pior a ele acontecer. Carne, ossos e lata são menos resistentes com relação ao poderio da destruição. Ademais, os elementos telúricos são os responsáveis pelo ser e o estar deste ente enunciado pela voz dos versos. O chumbo, por seu turno, esmaga e traz em sua composição elementos altamente tóxicos – vai na contramão, desse modo, da singeleza outra. Enquanto um é levezas, ternuras e poesias (sem desprezar os percalços), o outro torna-se símbolo de vilania e vilipêndios. O homem de lata, pela projeção das imagens poéticas dadas, não machuca, antes é machucado e golpeado por ações humanas e naturais. Tem começo, meio e fim e, por isso, precisa se fazer camaleão para camuflar a rebeldia que lhe é inerente, bem como para garantir a caminhada relativa às margens do existir (começo e fim). Nos versos se fazem perceber, particularmente, a repressão seguida de crítica ao projeto tecnocrata do regime militar.