O GRITO
Olho meus companheiros. Estão calados.
Os nervos tensos como cordas.
O grito lá fora estala no peito
feito metal rompido.
Conhecemos de cor este caminho.
Contudo, a cada grito esperamos
que seja o último.
Mas ele se repete e se prolonga
num fio de voz agudo
como um punhal.
Ele se dissolve num soluço
como o fugitivo na sombra do muro.
E recomeça.
Desperta cicatrizes extintas,
sopra nelas centelhas de novas dores.
Olho meus companheiros. Estão calados.
Mas ninguém se rendeu ao sono.
Todos sabem (e isso nos deixa vivos):
a noite que abriga os carrascos,
abriga também os rebelados.
Em algum lugar, não sei onde,
numa casa de subúrbios,
no porão de alguma fábrica
se traçam planos de revolta.
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Comentário do pesquisador
Pedro Tierra é pseudônimo de Hamilton Pereira da Silva. O poema "O grito" integra a seção “Poemas do Calabouço”. A segunda edição de "Poemas do povo da noite" (coeditada pela Fundação Perseu Abramo e pela Publisher Brasil, em 2009) apresenta um texto introdutório intitulado “Explicação necessária”. Nessa introdução, Pedro Tierra (Hamilton Pereira da Silva) informa: “Os poemas aqui reunidos foram escritos durante os cinco anos de prisão – de 1972 a 1977 – e publicados em volumes separados: Poemas do povo da noite (Ed. Livramento, S. Paulo, 1979), Água de Rebelião (Ed. Vozes, Petrópolis, 1983)” (2009, p. 19). A edição de 2009, que reproduz “O grito” na página 42, informa que esse poema foi escrito em 1974.