O GRILO
A Carlos Drummond de Andrade
Emerso do dia áspero
de políticos, militares, catástrofes,
dobro minhas perplexidades,
revoltas, esperanças, junto
com as roupas, sobre a cadeira:
dispo-me
para o banho nirvânico do sono.
E vou contando os cavalos da insônia:
nossa incompleta humanidade,
nossa incapacidade de amar...
Súbito,
insistentemente,
um grilozinho no corredor
cricrila débil.
E seu cricrido é um vagido
de menino recém-nascido.
Pobre grilozinho noturno
evadido da sombra exterior
para o dia elétrico do apartamento,
lá fora teus irmãos maiores
trilam tão forte,
ébrios de natureza. Mas tu,
pobre grilozinho noturno,
renunciaste estrelas, orvalho,
pra lembrar que não me secaram
de todo as fontes de ternura.