O general que degusta percevejos

Maciel de Aguiar

O GENERAL QUE DEGUSTA PERCEVEJOS

 

 

 

Uma voz implora diante do general colérico,

que tritura percevejos

recolhidos da copa das árvores:

—— Deixe-me viver por mais uma primavera...,

quando o sol desvirgina a manhã

e os demônios fogem assustados

com medo da claridade.

—— Nem mais um dia,

   nem uma hora,

   nem um minuto,

   destruirei a todos!

   Aos diabos a indulgência!

O general com dentes de marfim

investe contra as pessoas,

enquanto o ajudante de ordens

anota num pergaminho

com tinta de pó de crânio

quantas vidas foram debeladas.

Os primeiros raios ofuscam

os tiranos que cospem mau hálito

sobre as flores que resistem,

e o relógio da praça

bate o dardo de mercúrio

anunciando mais um dia

de sofrimento

e dor.

A voz invade os ouvidos

que há muito estão petrificados;

um cão possuído

morde o próprio rabo;

uma mulher coberta por um véu

rasga as entranhas

em busca de uma vida

que cresceu em seu corpo;

nuvens de gafanhotos

devoram a cabeça das estátuas;

prostitutas possuídas pela sífilis

cospem placas de sangue

sobre as carnes putrefatas;

um velho mastiga

ervas com os lábios trêmulos

no silêncio das horas,

enquanto nos quartéis

as Ordens são lidas

com indisfarçável exacerbação.

O novo dia rompe no horizonte embuçado

anunciando a esperança perdida;

florestas são decapitadas,

estradas passam sobre os caminhos

como uma menina de seios rijos,

que sangra pelas entranhas...

Num lago, os peixes em seco,

batem-se nas pedras,

beatas rezam terços ininterruptos

e soluçam cansadas de penitência.

—— Deixe-me viver por mais uma primavera...,

insiste a voz perdida pelas copas das árvores,

mas o general devora a todos

com incrível voracidade.

As estátuas de mármore mijam

como mancebos amedrontados;

demônios esfregam os cornos

no tronco das árvores;

portas batem ao vento

anunciando o suplício:

—— Nem mais um dia,

   nem mais uma hora,

   nem mais um minuto,

   destruirei a todos

   com seus pedidos de clemência!

O general se alimenta do hoje

e do esquecimento do amanhã.

 

 Rio de Janeiro, 18.10.71

 

 

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