O coração fora do peito

Maciel de Aguiar

O CORAÇÃO FORA DO PEITO

 

O coração fora do peito

feriu-se na ponta da lança,

mas o guerreiro não morreu.

Esvaiu-se frente o desconhecido,

aço-lâmina-baionetas

que traspassam os olhos dos que se escondem

frente o girassol que os procura.

O juiz,

em sua toga

bate o martelo

sobre a lápide:

— Não há corpo, 

  não há prova,

  não há crime...

Os anjos,

feito cisnes,

passeiam no lago

de sangue sobre a calçada,

duendes escondem-se do ocaso

procurando um refúgio

nas árvores que ainda resistem.

O coração fora do peito

feriu-se quando o amolador de facas

afiava sua lâmina

translúcida, na esquina.

Voam estilhaços pelos ares,

despedaçando os sentimentos

escondidos nas entranhas

sobre as almas de crepom.

O coração fora do peito

feriu-se quando atirador

espalhava o estanho

de mercúrio incandescente

ante o músculo pulsante

que perpetua a vida

em cadência ininterrupta

de uma existência passageira.

Correm as virgens com medo

de perder o cabaço,

correm os cadáveres que escondem

as tíbias-tortas-esbranquiçadas,

correm os padres segurando

a batina entre as pernas,

correm os poetas marginais,

correm,

correm,

correm,

que as balas assassinas

vão sangrar as suas carnes.

O carregador de cadáveres

traz um peso sobre os ombros

descarnados em penitência,

que levam em desgraça

os mortos sem nome,

os corpos sem dono,

as sepulturas sem cruz

abertas pelas cercanias

para oferecer suas partes

aos necrófilos nas sombras.

O coração fora do peito

feriu-se nos espinhos

quando a lua debruçava

seu pálido manto de lágrimas

e os cristais fosforescentes

faziam adormecer os lábios 

dos demônios escondidos.

Não se diz agora em voz alta

que os infernos vão se instalar

frente os olhos dos meninos?

Uma perene dor invade

o soldado com sua arma

assassina,

assassina,

assassina,

pronto para impedir

que seu coração cultive

sentimentos

e piedade.

Os jardins sem primavera

abrem-se em flores púrpuras

ensangüentadas procurando

os meninos na Lista dos Mortos

que cobre os corpos com lágrimas

das mulheres enlouquecidas

que cantam canções entrecortadas

de soluços

e agonia.

O coração fora do peito

feriu-se na primavera

entre coturnos

e espinhos,

lanças,

facas

e baionetas,

onde só os que ousam

enfrentar os fantasmas

podem compreender a aventura

do amor sobre todas as coisas.

O coração fora do peito

feriu-se,

feriu-se.

feriu-se,

quando procurava a Liberdade.

Não se diz agora em voz alta

que os últimos serão os primeiros?

 

 

          Ponte Nova-MG, 18.5.70

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