O contraditório das palavras
Falo de coisas imaginárias,
de presenças sentidas,
de sonhos reais
e de realidades sonhadas.
Falo do que penso
como se fosse real
e falo do real
como coisa pensada.
As palavras são muitas
e pouco significativas,
incapazes de expressar um viver
expressam o vivido.
As palavras tão poderosas,
sinto-as em sua fraqueza.
Ao formar a imagem do real
com ele se confundem.
Impotentes diante do meu sentir
e tão próximas do meu viver,
tornam-se necessárias,
mas não imprescindíveis.
Se as dispensasse,
ainda me faria entender.
Ao esperar que nelas acreditem,
temo que acreditem menos nos fatos.
Que importa!
Esses fatos existem.
Podem ser expressos em palavras,
que lhes dão sentido.
Há palavras e gestos.
Há silêncio.
Há sonhos, ilusões,
fantasias e rememorações.
Há uma constelação
de sentimentos
que as palavras dão pálida imagem,
sem concretude.
Essa compulsão por falar
deve ser coisa de preso.
No silêncio da cela eu me pergunto:
pra que tantas palavras?
Comentário do pesquisador
O poema “O contraditório das palavras” integra o volume “Poemas (quebrados) do cárcere”, publicado por Gilney Amorim Viana em 2011. Na “apresentação do autor”, o poeta afirma: “Estes raros e quebrados poemas foram escritos na década passada, quando estive encarcerado pela ditadura militar. Acredito que refletem minhas afetividades, dúvidas existenciais, certezas políticas e ideológicas vividas naquele período” (2011, p. 9). Sobre a segunda parte do livro, na qual está inserido “O contraditório das palavras”, Gilney Viana informa: “Já os poemas seguintes foram escritos na Penitenciária Regional de Juiz de Fora, situada no bairro de Linhares, onde estive preso durante o período de 1970 a 1977. A conjuntura estava marcada pela ofensiva da ditadura militar contra todas as forças de oposição, armadas e não armadas, inclusive nos cárceres políticos controlados pelos militares dos serviços de informação, como a Penitenciária de Linhares. Para nós, presos políticos, só existia uma alternativa: a resistência física, psicológica, ideológica e política e, porque não dizer, também poética” (2011, p. 9).