O CLAMOR DA LIBERDADE
Para Dom Hélder Câmara
Vós, que fazeis calar os que clamam,
amordaçando-lhes as palavras
e ensangüentando-lhes as entranhas,
fazei então calar o vento
que sopra aos quatro cantos
levando força aos fracos
e revigorando as consciências.
Vós, que fazeis calar os que se rebelam,
cerceando-lhes a vida,
interrompendo-lhes a caminhada,
fazei então calar os pássaros
que espalham aos céus
uma infinita melodia
que alucina os tiranos.
Vós, que fazeis calar os poetas,
censurando-lhes o pensamento
com a anunciação do terror,
fazei então calar o despertar das matas
que mantém viva a resistência
que brota a cada manhã
como os que não se intimidam.
Vós, que fazeis calar os que cantam,
fechando-lhes a boca,
impedindo-lhes a voz,
aumentando-lhes a dor,
arrancando-lhes a cidadania,
fazei então calar as cigarras
que não temem explodir o peito
para que todos ouçam
os males de uma vida,
de todas as horas,
todas as dores,
todas as desgraças.
Vós, que fazeis calar os pastores,
desgarrando-lhes os rebanhos,
aviltando-lhes a dignidade
como quem assassina a esperança,
fazei então calar as tempestades
que anunciam o novo dia
que virá como uma calmaria
sobre todos os infortúnios.
Vós, que fazeis calar a Justiça
obstruindo-lhe a dignidade,
impedindo-lhe a luz do Direito,
corrompendo os homens,
fazei então calar o clamor das ruas
que acalentam os dias sediciosos
e acariciam as noites inconfidentes.
Vós, que fazeis calar os estudantes,
negando-lhes o saber,
impedindo-lhes as passeatas
como quem sufoca um grito
na garganta dos esvaídos,
fazei então calar a música do ocaso
que faz encorajar os condenados
diante do irremediável
momento que os leva
rumo ao desconhecido
pelos caminhos das trevas,
arrastando os próprios cadáveres.
Vós, que fazeis calar os que buscam
a terra dos ancestrais
para que possam semear
a esperança de saciar
a fome dos filhos
e a felicidade procurada,
fazei então calar os terremotos
que estremecem os castelos,
afundam os edifícios
e desafiam os senhores.
Vós, que fazeis calar os vencidos,
com vosso regime blindado
passeando sobre a cabeça
dos povos estendidos nas ruas,
fazei então calar o brado
incontido da juventude
que vem sobre o nosso tempo,
revigorando as consciências,
enrijecendo as convicções
e devolvendo a voluntariedade.
Vós, que fazeis calar os judiados
com a ameaça permanente
dos chutes desferidos,
fazei então calar os rios
que descem em corredeiras
com a força incontida das águas
que se espraiam pelo mar.
Vós, que fazeis calar os proscritos
que escrevem nas trevas
para todos e ninguém,
fazei então calar
os que gorjeiam pelo prado
a canção do amor à vida
que faz encorajar os venturosos.
Vós, que fazeis calar os vencidos
com vossas Ordens do Dia
fazei, então, calar a voz
que vem dos telhados de Olinda
para o peito dos que sonham…
Voz que fazeis calar a tudo
com vossa ira infame,
fazei, então, calar o clamor
da Liberdade que se esconde
no coração dos homens.
Ponte Nova/MG, 2.6.70